Uma tendência de ajuste nos estoques do varejo será um dos obstáculos para a recuperação da indústria no primeiro trimestre deste ano. As liquidações de janeiro e fevereiro servirão para que o comércio queime os produtos encomendados antes do agravamento da crise e devem ser seguidas por um processo de reposição mais lento do que o normal. Assim, a indústria tende a ter pelo menos mais dois meses de pedidos em baixa.
O ajuste nos estoques do varejo ocorre por duas razões. Os lojistas trabalhavam até setembro com um cenário de expansão forte nas vendas de fim de ano e não queriam correr o risco de ficar sem mercadorias nas prateleiras. Assim, quando a demanda no Natal foi menor do que esperado, houve mais sobras do que em anos anteriores. Além disso, o encarecimento do crédito aumenta o custo de se carregarem estoques elevados. Como o cenário de desaceleração da economia se consolidou, o varejo tende a querer fazer caixa com o que ainda resta nos depósitos e a usar o mínimo de financiamento possível na negociação com a indústria.
"Até setembro do ano passado, o varejo trabalhava com uma projeção de crescimento de 10% no Natal. Depois, a expectativa caiu para 7%. Mas o número visto foi de 3,5%", lembra o economista Vamberto Santana, professor especializado em varejo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e conselheiro do Conselho Regional de Economia (Corecon). "É natural que os estoques estejam maiores do que o esperado e que as promoções sejam mais intensas do que em 2008."
O primeiro segmento a fazer promoções foi o de móveis e eletroeletrônicos. São bens duráveis, que dependem de crédito para ter giro nas prateleiras e cuja compra pode ser protelada em momentos de incerteza. Como se tornou tradição, as lojas do setor abriram mais cedo na última sexta-feira oferecendo descontos de até 70%. Algumas redes escolheram fazer promoções mais longas o Ponto Frio e a Lojas Colombo, por exemplo, liquidaram mercadorias até sábado.
Na rede paranaense MM Mercadomóveis, que tem 108 lojas, as vendas de fim de ano chegaram a 90% da meta. Com estoques 10% acima do desejado, as promoções de fim de ano foram estendidas da última sexta-feira até o dia 17. "Em seguida colocaremos à venda os modelos 2009 que já estavam encomendados. A reposição com novos pedidos começa a ser feita em fevereiro", conta o diretor de compras da MM, Emílio Glinski. E é aí que aparecerá o cuidado maior da empresa. Em 2008, a rede trabalhava com estoque para 60 dias e agora ele será ajustado para 45 dias.
Medida parecida foi tomada pela rede Lojas Bom Preço, que tem sete unidades no Paraná. Segundo o diretor comercial Antônio Nelson Juchem Júnior, o estoque da rede chegou a 60 dias no primeiro semestre de 2008 e agora deve cair para menos de 45 dias. "Como não haverá aumento de preços e existe muita incerteza para fevereiro e março, vamos vendendo com estoques baixos", diz. Isso não significa que a rede esteja pessimista com o resultado do início do ano. "O varejo estava mais cômodo e agora a disputa vai ser maior para atrair o cliente. As vendas não vão parar."
Para a Havan, rede catarinense de lojas de departamentos, o momento é de cautela na gestão dos estoques. "Esperamos um aquecimento no mercado para aumentar o volume da reposição dos estoques", comenta o gerente de processos Alexandre Voltolini. A Havan divulga que alcançou um aumento de 10% nas vendas de fim de ano, e fez sua liquidação nos dois últimos dias de dezembro.
Riscos
A redução de estoques não é uma unanimidade no varejo. Entre seus riscos está a possibilidade de as lojas ficarem sem produtos em um momento de vendas aquecidas e de sofrerem pressão de preços dos fornecedores quando for necessário repor itens rapidamente. "Nós vamos manter nosso estoque em 50 dias porque financiamos nossos clientes. Seria pior ficar sem produto nas lojas", afirma o supervisor geral da rede Lojas Cem.