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Num momento em que o governo prepara o terreno para a redução da meta deste ano de superávit fiscal primário (a economia feita pelo governo para pagar juros da dívida pública), o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, admite que o cenário está mais adverso do que o esperado. Em entrevista ao GLOBO, ele disse que o governo vai se manifestar sobre a trajetória da meta em julho, quando for divulgado o segundo relatório bimestral de receitas e despesas. Com a expectativa de que a meta seja reduzida, o mercado acompanha com atenção qual será o tamanho desse esforço fiscal. Barbosa criticou a decisão da Câmara de estender a regra de correção do salário mínimo para todos os benefícios do INSS. E disse que a economia deve reagir no último trimestre do ano, mas que o governo trabalha para antecipar esse movimento.

A realização da meta de superávit primário de R$ 66,3 bilhões, ou 1,13% do PIB, está mais distante. Quando o governo vai admitir que não conseguirá fazer esse esforço em 2015?

O cenário fiscal hoje está mais adverso do que era esperado por todos no governo e no mercado no início do ano. A política fiscal prevê atualização de cenários e de medidas. Assim como na política monetária, as reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária) são de seis em seis semanas para adaptar os juros ao cumprimento da meta de inflação, no campo fiscal, há decretos de uma programação (financeira) de dois em dois meses. O próximo está para julho. E esse é o momento em que a gente vai se manifestar sobre atualização do cenário e as medidas necessárias para manter a estabilidade fiscal.

Qual seria o superávit fiscal que o governo teria condições de realizar?

Vamos nos manifestar sobre isso no próximo decreto.

O governo pode adotar novas medidas para reforçar o caixa?

A gente está sempre avaliando várias medidas. Hoje (sexta-feira) foram divulgadas as novas condições do Fies (Fundo de Incentivo ao Ensino Superior). O impacto é maior no ano que vem e no seguinte. E medidas de arrecadação estão sempre em estudo pelo Ministério da Fazenda.

O Brasil vive inflação alta e retração econômica. Não é um custo muito alto manter um superávit elevado?

Estamos numa fase de transição, de construção das bases para um novo ciclo de expansão. Essa fase inclui a adoção de algumas medidas que, apesar de impacto restritivo a curto prazo, são indispensáveis para viabilizar a recuperação do crescimento. Uma dessas medidas é justamente recuperar a capacidade do governo de produzir superávits primários de modo recorrente, resultados primários suficientes para manter a dívida pública estável.

A meta não acabou sendo muito alta?

Estamos procurando fazer um processo gradual. A proposta é sair de um déficit primário de 0,6% do PIB em 2014 para superávit de 2% em 2016. Esse valor de 2% é o que a gente percebe como consistente com a estabilidade da dívida líquida do governo como percentual do PIB e com uma queda gradual da dívida bruta. É um esforço de dois anos. O importante é a gente convergir para esse primário de 2% do PIB e que esse superávit primário possa ser obtido de modo recorrente, com receitas e despesas recorrentes. Agora, isso é um esforço que leva algum tempo.

Há pressão do Congresso, de prefeitos e outros ministros pela flexibilização do ajuste. Como o governo lida com isso?

Para as medidas serem sustentáveis e duradouras, elas precisam ter um tempo de maturação. As expectativas de mercado indicam que no ano que vem a inflação cai. E mesmo com expectativa de redução do nível de atividade este ano, se projeta recuperação do crescimento da economia para o último trimestre. Estamos trabalhando para tentar antecipar isso. Esses esforços de reequilíbrio levam algum tempo, e acho que as pessoas entendem isso porque o Brasil sabe o quanto é importante manter a estabilidade fiscal e o controle da inflação.

O Congresso vai mudar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para reduzir a meta fiscal. O que o governo vai fazer?

O Congresso tem poder de tomar as iniciativas em vários aspectos, mas qualquer iniciativa nessa direção envolve a participação do governo, e nós vamos nos pronunciar no momento adequado.

O ajuste fiscal não tem culpa pela retração da economia?

A retração econômica vem desde o segundo semestre de 2014. Ela tem impacto da depreciação cambial, dos efeitos climáticos sobre o preço da energia, e isso explica grande parte da desaceleração. O realinhamento de preços tem primeiro um impacto restritivo e inflacionário, mas gera novas oportunidades de investimentos.

O governo apresentou proposta de reajuste para o funcionalismo público, de 21,3%, baseada na inflação futura. Mas os servidores consideram injusto.

A proposta é responsável tanto do ponto de vista fiscal quanto do ponto de vista trabalhista. Esses reajustes permitem ao governo manter estáveis seus gastos com servidores como proporção do PIB. Também procuram preservar o poder de compra dos servidores, mesmo num contexto em que a gente vê um aumento do desemprego e até queda de salário real para os trabalhadores do setor privado. A gente tem adotado postura de olhar para frente. Precisamos combater a indexação da economia. É um dos fatores que fazem com que a inflação seja tão rígida.

A Câmara acaba de estender a regra de correção do salário mínimo a todos os benefícios da Previdência. Como o governo lidará com isso?

Essa MP (medida provisória) ainda está em discussão. Vamos trabalhar para reverter a mudança no Senado. Essa extensão coloca em risco a sustentação da Previdência e a política de valorização do salário mínimo. Em negociações trabalhistas com sindicatos, normalmente se adota uma regra para reajustes dos salários médios e outra para o piso salarial. Se for utilizar regra geral do piso para reajustar todos os benefícios, vai inviabilizar a regra do salário mínimo, ou colocar em risco a sustentação da Previdência. Não se deve usar Previdência para disputa partidária. Previdência é uma questão de Estado, e as medidas de agora têm seus efeitos maiores em quatro, cinco, dez anos.

Qual é o estrago que uma rejeição das contas do governo pelo TCU pode ter sobre a credibilidade do país?

Estamos confiantes de que nossos argumentos são sólidos e serão suficientes para garantir a aprovação das contas da presidente (no primeiro mandato). Esse é um debate técnico e extenso, e o governo está trabalhando em todos os aspectos dessas questões para esclarecer não só ao TCU, mas a toda a sociedade brasileira, que a política fiscal foi conduzida de uma maneira responsável e seguindo o que manda a lei.

Qual foi a sinalização que o governo quis dar ao mercado com a redução do teto da meta de inflação de 6,5% para 6% em 2017?

A principal sinalização é reforçar o compromisso do governo com o centro da meta de inflação (de 4,5%). As expectativas de mercado para 2017 já são de uma inflação de 4,75%, e nós estamos trabalhando para trazer esse número para o centro mais rapidamente.

Mas isso não pressiona o BC a subir os juros ainda mais?

Não acho. Quanto menor for a inflação, menor será a taxa real de juros no Brasil. Um dos determinantes da taxa de juros é justamente o nível e a volatilidade da inflação. Se você tiver uma inflação mais baixa, isso tende a se traduzir numa menor taxa de juros.

O governo pode agir de alguma forma economicamente para minimizar os efeitos da Lava-Jato no setor da construção?

As empresas que estão sendo objeto de investigação e questionamento estão se defendendo dentro do que determina a lei. Não cabe ao Executivo fazer qualquer coisa nesse processo. Confiamos que o Judiciário trabalhe para uma resolução que preserve os objetivos da lei com o mínimo de impacto sobre o nível de atividade e empregos. Acho que o Brasil vai sair mais forte desse processo.

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