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As centrais sindicais festejaram a divulgação do acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) que liberou a cobrança de contribuição sindical de trabalhadores não sindicalizados.
Publicado no dia 30, o texto, que descreve a íntegra dos votos dos onze ministros, estabelece que a taxa poderá ser cobrada de todos os empregados da categoria, “desde que assegurado o direito de oposição”. Este foi o entendimento do relator Gilmar Mendes no julgamento da Corte, realizado em setembro.
Na avaliação de Clemente Ganz Lúcio, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, a tese definida pelo Supremo equilibra a questão do financiamento dos sindicatos. "O STF agiu corretamente ao estabelecer o direito da contribuição com contrapartida da negociação coletiva", disse ele à Gazeta do Povo.
Na prática, o sindicato poderá incluir a taxa sindical em cláusulas da negociação salarial a ser aprovada em assembleia anual das categorias. O principal benefício, para o coordenador das centrais, é a "garantia de segurança jurídica" para cobrança por parte de sindicatos e para empresas, que fazem o recolhimento compulsório da contribuição na folha de pagamentos dos trabalhadores.
Atualmente, segundo dados do Fórum, estão em vigência no país mais de 40 mil acordos de convenções coletivas com o dispositivo da cobrança, que agora passam, segundo Ganz, a ter menos chances de serem questionados na Justiça.
Acórdão não modula os efeitos nem disciplina alíquotas de contribuição
Antônio Galvão Peres, da Robortella e Peres Advogados, não acredita que a situação esteja pacificada como dizem as centrais. "Provavelmente haverá novos embargos de declaração à decisão do Supremo, uma vez que o acordão não dirimiu as principais dúvidas levantadas após julgamento", disse Peres à Gazeta.
O acórdão não cita, por exemplo, a obrigatoriedade de uso dos recursos apenas para a convenção coletiva – o que, por definição, é o objetivo da contribuição negocial.
No entendimento de Galvão, esses aspectos vão na contramão do artigo 611-B da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que impede explicitamente que direitos do trabalhador sejam suprimidos ou reduzidos por meio de convenção coletiva. "Há uma incompatibilidade direta da CLT com a manifestação do Supremo", salienta.
O STF, destaca o advogado, nem sequer modulou os efeitos no tempo, para saber se as cobranças retroativas são válidas. Tampouco estabeleceu limite para a alíquota para avaliar se o benefício obtido pelo sindicato tem correlação justa com a contribuição assistencial cobrada.
Após a decisão, vários casos de abusos por parte dos sindicatos foram denunciados, como cobranças retroativas dos últimos cinco anos e fixação de valores correspondentes a três vezes o valor do antigo imposto sindical.
Um sindicato de Sorocaba (SP), após convenção coletiva, passou a descontar 12% de contribuição assistencial ao ano sobre o salário ou exigir o pagamento de uma taxa de R$ 150 de quem não quiser pagar a contribuição.
Voto de Barroso abre brecha para limitar direito de oposição
O direito à oposição pelos trabalhadores, ponto central da tese do acordão e historicamente dificultado por muito sindicatos – com prazos apertados e condições restritivas para manifestar a recusa –, também não foi detalhado no acórdão.
O ponto foi tema de protestos e polêmicas que pipocaram pelo país após o julgamento do STF. No Espírito Santo, filas quilométricas se formaram diante do Sindicato dos Trabalhadores em Hospitais e Empresas de Saúde (Sintrasades) para recusar o desconto em folha. Trabalhadores relataram terem enfrentado sol e chuva para entregar uma carta contestando a taxa referente à contribuição assistencial.
No início de outubro, um desconto de 1% no salário direto na folha de pagamento de servidores públicos do Distrito Federal também gerou revolta. O Sindser deu cinco dias úteis para quem quisesse desautorizar a cobrança, de forma presencial, provocando filas e constrangimentos.
Com a publicação do acórdão, Galvão acredita que a forma tradicional de contestação, via carta, está em xeque, já em que o sindicato pode restringir o direito apenas à assembleia de aprovação da convenção coletiva.
"Uma parte do voto do ministro Luís Roberto Barroso dá brecha para os sindicalistas considerarem a assembleia o único foro adequado para exercer o direito de oposição", explica.
"Convoca-se a assembleia com garantia ampla de informação a respeito da cobrança e, na ocasião, permite-se que o trabalhador oponha-se àquele pagamento", escreveu o ministro. Na prática, caso a assembleia aprove, "o trabalhador fica sem formas de se opor", argumenta Galvão.
Tribunal Superior do Trabalho garante direito de oposição à empresa
Uma decisão recente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) joga luz sobre a possibilidade de recurso dos trabalhadores que se sentirem prejudicados com a cobrança.
Com base no mesmo argumento do STF, o Tribunal acatou o recurso de uma empresa de construção que alegou não ter tido respeitado seu direito de oposição às taxas estabelecidas pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Gramado (RS).
A decisão do TST estabeleceu que a cobrança de "contribuições assistenciais a empresa não associada ao sindicato da categoria sem o respeito ao direito de oposição fere a liberdade de associação e sindicalização, conforme foi determinado pelo Supremo Tribunal Federal".
Foi a primeira vez que a Corte trabalhista aplicou a tese do direito de oposição em uma decisão. O precedente poderá ser utilizado por trabalhadores e empresas que têm tido a recusa dificultada por sindicatos, segundo explicou o advogado e consultor trabalhista Ricardo Calcini ao site Consultor Jurídico.
No caso de processos trabalhistas, as empresas poderão ser forçadas a devolver os valores descontados em folha dos trabalhadores. Por isso, o ideal para as empresas é fazer o repasse da contribuição sindical via depósito judicial até o trânsito em julgado da matéria no TST.
Senado pode regulamentar o direito de oposição
Um projeto em tramitação no Senado pretende disciplinar o tema e facilitar a contestação dos trabalhadores à contribuição sindical. Como relator do projeto, proposto originalmente pelo senador Styvenson Valentim (PODE-AC), o senador Rogério Marinho (PL-RN), incluiu uma proposta de regulamentação do direito de oposição.
A ideia é desburocratizar as formas de contestação da cobrança, que poderão ser feitas por meios eletrônicos. "Estamos prevendo como exercer esse direito de forma simplificada. Por um simples e-mail ou mensagem de WhatsApp, por exemplo", disse o senador à Gazeta do Povo.
Marinho, que foi relator da reforma trabalhista de 2017 que extinguiu o imposto sindical, já havia classificado a decisão do STF de "equivocada" e "um retrocesso", após o julgamento em setembro. Após o acórdão, reforçou as críticas.
"[O STF] não previu minúcias. Veja que os sindicatos alegam que assembleias, com baixíssimo quórum – por exemplo, 2% ou 3% da categoria – podem aprovar o desconto para todos. Mas isso, além de ferir a constituição, fere dispositivo da CLT, previsto na modernização trabalhista, que assegurou opção individual, prévia e expressa", afirmou Marinho.
"Estamos falando de uma verba alimentar, um desconto do salário. Um direito individual previsto na Constituição que não pode ser disposto livremente por uma assembleia de baixa representatividade", destacou o senador.
O projeto, aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado no início de outubro, também proíbe a obrigatoriedade de cobrança de qualquer contribuição sindical sem a autorização do trabalhador, mesmo sindicalizado.
O empregador deve informar ao empregado por escrito o valor da taxa assistencial cobrada e esclarecer ao trabalhador sobre o direito de não se sindicalizar e não pagar a contribuição. Os únicos senadores contrários à proposta foram os do PT: Jaques Wagner (BA), Paulo Paim (RS) e Teresa Leitão (PE).
Pano de fundo é a falta de liberdade sindical
Na avaliação do senador Marinho, o projeto pode contribuir para um cenário de liberdade sindical, tolhido pela Constituição, que prevê o sistema de apenas um sindicato por categoria profissional.
"O Brasil sempre fugiu de debater esse princípio fundamental da Organização Internacional do Trabalho, porque nossa Constituição prevê monopólios. É uma jabuticaba que deveria ser reformada por PEC, mas que o atual governo, com seu viés antirreformas, não deseja sequer estudar. Se estamos nesse universo de monopólios e falta de escolha, vamos proteger o trabalhador. Por isso o direito de oposição individual é fundamental", afirmou.
Em apreciação na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), o projeto está sob relatoria do senador Paulo Paim (PT-RS), que não tem pressa de pôr o tema em votação.
A Comissão aprovou para o próximo dia 21 de novembro a realização de uma audiência pública com a presença de centrais sindicais e especialistas. Caso seja aprovado, o projeto segue direto à Câmara dos Deputados, sem passar pelo plenário do Senado Federal.
As centrais prometem trabalhar para barrar a aprovação. Ganz Lúcio afirma que o projeto prevê "um direito de oposição eterna". "Só falta pôr no registro de nascimento que não precisa nunca pagar sindicato na vida. O que existe é um jogo que insiste em quebrar o sindicatos", afirma.
Marinho, que é líder da oposição no Senado, rebate a crítica. "Os sindicatos que trabalham a favor dos trabalhadores vão muito bem, obrigado. Esses têm conquistado afiliados e mostrado resultados. Infelizmente, o mundo da contribuição sindical obrigatória, que vigorava até 2017, ainda não se adaptou plenamente. É necessário convencerem o trabalhador que está ao lado dele. Deve-se mostrar que a intenção não é apenas arrecadar. Devolvo com outra pergunta: já não basta a unicidade sindical, uma jabuticaba, ainda querem tirar a liberdade do trabalhador decidir?" questiona.