O texto da reforma tributária aprovado pela Câmara dos Deputados prevê a instituição de um imposto seletivo adicional sobre produtos considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente. É o tal do “imposto do pecado” que certamente será aplicado sobre cigarro e bebidas alcoólicas. Atualmente esses produtos já recolhem mais impostos devido ao critério de seletividade invertida, em que não são contemplados pela redução de alíquota de outros itens.
A definição da gama de produtos e serviços que serão sobretaxados, conforme o grau de nocividade, ficará para lei complementar. Dentre os critérios para eventuais alíquotas mais pesadas deverá estar o teor de composição alcoólica do produto final.
Assim, existe uma probabilidade de que a cerveja acabe menos sobretaxada do que vodka, cachaça ou whisky, destilados que têm teor alcoólico mais elevado. A cerveja apreciada pelos brasileiros, que tem percentual médio de 5% de álcool, poderá ser enquadrada como “pecadinho”, recebendo taxação menor do que seus concorrentes etílicos pesos-pesados.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é crítico do imposto seletivo. “Carnes (picanha), combustíveis fósseis, refrigerantes, bebidas alcoólicas, entre outros, seriam sobretaxados (...) O aumento da carga tributária, ora previsto, nos levará à uma queda de produtividade no campo, ao fechamento de fábricas, menos comércio, mais desemprego e inflação”, afirmou.
Imposto elevado pode favorecer mercado negro
O setor de bebidas reclama que já paga alíquotas elevadas e que existe um ponto ótimo para tributação que, se ultrapassado, não vai resultar em aumento de arrecadação, apenas contribuirá para transferência do consumo para o mercado ilegal. Levantamento feito pelo advogado tributarista Samir Nemer para o jornal Valor Econômico, no ano passado, apontou que a tributação da cerveja girava em torno de 55% do preço final, enquanto o imposto incidente na caipirinha representava cerca de 76% de seu valor. Do preço da água mineral, em contrapartida, 37% representavam impostos.
A Organização Mundial de Saúde tem defendido a elevação dos impostos sobre produtos alcoólicos, de uma forma mais simétrica ao que atualmente é aplicado sobre o tabaco. Na Europa, mais de metade dos 53 países aplica um mínimo de 75% de impostos sobre o preço final do cigarro. Em relação às bebidas, a OMS argumenta que se houvesse uma participação mínima do imposto em 15% no preço final, seria possível salvar 130 mil vidas a cada ano.
“Em relação ao álcool, a taxação deve ser considerada como medida de saúde, e não meramente uma ferramenta econômica. E muito pouco tem sido feito para tratar o álcool com as mesmas medidas do tabaco”, diz Carina Ferreira-Borges, diretora de um programa preventivo contra álcool e tabaco da OMS na Europa.
Preço de algumas bebidas já tem 90% de imposto
No Brasil, a taxação já é bem superior à aplicada no Velho Continente. Estimativa da Associação Comercial de São Paulo, com base no impostômetro, apontou que no Brasil 62% do preço do chope vêm dos impostos, enquanto esse índice chega a 82% do preço da cachaça. Segundo a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), algumas bebidas já alcançam perto de 90% de carga tributária e não haveria mais espaço para elevação das alíquotas.
Para além da cerveja e do álcool, a reforma tributária mira com o imposto seletivo outros produtos como defensivos agrícolas, veículos que gastam muito combustível, e alimentos com excesso de açúcar ou de sal.
Para ganhar apoio da bancada da agropecuária, contudo, o governo concordou em excluir a taxação adicional dos agroquímicos, que se beneficiam da alíquota de IVA reduzida em 60%. O argumento do setor é de que não faria sentido cobrar mais caro por insumos que são essenciais à produção de alimentos.
Já a indústria alimentícia promete resistir à adoção de “imposto do pecado” sobre alimentos açucarados ou ultraprocessados, sob a justificativa de que essa taxação prejudicará sobretudo as famílias mais pobres. O impacto sobre o preço dos alimentos - em grande parte transportados por rodovias - também é invocado pelo Instituto combustível Legal (ICL) para defender a não aplicação do imposto seletivo sobre os combustíveis fósseis.
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