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Dependência cresce

Chineses compraram um terço de tudo que o Brasil exportou no primeiro semestre

Cerca de 33% dos US$ 101,7 bilhões exportados pelo Brasil de janeiro a junho tiveram como destino a China.
Cerca de 33% dos US$ 101,7 bilhões exportados pelo Brasil de janeiro a junho tiveram como destino a China. (Foto: Alan Santos/PR)

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As exportações brasileiras estão cada vez mais dependentes do apetite dos compradores da China. De 2001 até o ano passado, a participação chinesa nas vendas do Brasil saltou de 1,9% para 28,5%. Com a crise global desencadeada pelo novo coronavírus, essa fatia subiu para 33,8% no primeiro semestre deste ano — um terço dos US$ 101,7 bilhões exportados pelo país de janeiro a junho teve como destino a China.

Os dados são do Ministério da Economia, compilados pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV. Para comparação, no mesmo período as vendas para os Estados Unidos caíram de 22,6% do total para 9,9%; já os embarques para a União Europeia, que respondiam por 25,4% das exportações brasileiras em 2001, ficaram em 15,4% neste primeiro semestre.

Segundo especialistas, o aumento da dependência da China está associado, em primeiro lugar, ao forte crescimento econômico do país asiático nas últimas décadas. Além disso, contribuem para esse cenário a queda recente da demanda por parte de outras nações afetadas pela pandemia, especialmente na América do Sul, e o fato de o Brasil ainda manter uma forte especialização na produção de matérias-primas, mas uma estrutura pouco competitiva na indústria, limitando os itens da nossa pauta de exportações.

Uma marca dessa especialização, reforçada nas últimas décadas, é o bom desempenho do agronegócio. Ao mesmo tempo em que a elevada produtividade do campo brasileiro reforçou a especialização nas matérias-primas, o acelerado crescimento tornou a China o maior importador global desses insumos.

Em 2001, quando recebia menos de 2% das exportações do Brasil, a China era o sexto maior importador do mundo. Ano passado, foi o segundo, atrás só dos EUA, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC). Com 1,4 bilhão de habitantes e urbanização ainda em marcha, nada indica que a demanda da China por produtos como soja e carne arrefecerá.

Efeito da crise

Em contrapartida, por conta da recessão, os Estados Unidos e nossos vizinhos da América do Sul — principais mercados dos produtos industrializados brasileiros — estão comprando menos. As exportações para a Argentina somaram US$ 3,7 bilhões no primeiro semestre, queda de 28% ante a primeira metade de 2019, colocando o país vizinho como destino de apenas 3,6% das exportações brasileiras — a Holanda passou a Argentina e foi o terceiro principal destino das vendas do Brasil, atrás de China e EUA.

Diante do aumento proporcional da participação chinesa, o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, prefere falar em "interdependência" na relação comercial com a China. Ele lembra que o Brasil é o maior produtor e exportador de soja e carnes — o fornecimento global desses produtos é dominado por Brasil e Estados Unidos. O país também é um grande exportador de minério de ferro, petróleo e celulose, todos com grande participação chinesa nas vendas. "Se o mundo demanda mais produtos agropecuários, só o Brasil pode aumentar a produção, especialmente de soja e carne", disse Castro.

No lado conjuntural, assim como a venda de comida nos supermercados está entre as atividades econômicas menos atingidas pela pandemia, as exportações de alimentos seguem de vento em popa. Em volume, as vendas de produtos agrícolas ao exterior cresceram 24,5% na primeira metade deste ano ante igual período de 2019, nas contas do Ibre/FGV.

Analistas criticam postura do Brasil com a China

Na última terça-feira (21), o Brasil assinou com os Estados Unidos uma declaração à Organização Mundial do Comércio (OMC) com críticas veladas à atuação da China no comércio internacional, dando mais uma demonstração de alinhamento do governo Bolsonaro com o governo Trump e sinalizando que o país poderá tomar partido na disputa comercial que se arrasta desde o ano passado entre as duas maiores economias do mundo. Com o crescimento do peso da China no comércio exterior brasileiro, é tudo o que o governo não deveria fazer, dizem analistas.

Na declaração conjunta, Brasil e EUA defenderam que o princípio de economia de mercado tem de valer para todos os integrantes da OMC, de forma a garantir condições equitativas de competição econômica no comércio internacional. Para ambos os países, as atuais regras da entidade não serviriam para a China, cuja economia é fortemente marcada pela intervenção do Estado.

"O Brasil não ganha nada com isso. Nossa tradição é mais multilateral", afirmou Lia Valls, pesquisadora do Ibre da FGV. Ela lembra que a relação sino-brasileira divide o governo, com o tom belicoso do Itamaraty muitas vezes compensado pelo pragmatismo do Ministério da Agricultura. "O governo tem de atender a interesses de diversos grupos, não dá para ficar só na questão ideológica", afirmou a pesquisadora.

Para o presidente da AEB, um dos problemas do alinhamento automático com os EUA é que, na arena do comércio internacional, brasileiros e americanos também são concorrentes. E as duas maiores potências agrícolas do planeta têm a China como principal mercado.

Antes da declaração conjunta com os EUA, integrantes do governo já haviam feito vários ataques à China, o que levou representantes do agronegócio a pedir uma mudança de postura, dado o receio de eventual retaliação por parte das autoridades chinesas. O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, por exemplo, chegou a insinuar que os chineses se beneficiaram da crise do coronavírus e postou imagens do personagem Cebolinha na muralha da China trocando o "L" pelo "R", em alusão à alegada fala dos chineses. Depois, apagou a postagem.

Em reação, a Embaixada da China no Brasil respondeu que as publicações eram "completamente absurdas e desprezíveis, que têm cunho fortemente racista e objetivos indizíveis, tendo causado influências negativas no desenvolvimento saudável das relações bilaterais China".

Agronegócio brasileiro poderia sair perdendo

As rodadas de acordos para interromper a disputa comercial entre China e EUA — que não chegaram a ser efetivamente implementados — incluíam cotas das vendas de soja americana para os chineses. Ou seja, o agronegócio brasileiro poderia sair perdendo, no curto prazo, caso a disputa comercial chegasse ao fim.

Para Castro, da AEB, o Brasil deve se aproximar dos americanos, mas sem alianças formais. "Os americanos são práticos e preservam seus interesses diretos. Para eles, é 'amigos, amigos; negócios à parte'", disse.

Esse distanciamento coincide com o aumento da dependência das exportações brasileiras para a China, principalmente de produtos básicos. Já a indústria ainda sofre com elevados custos de insumos, infraestrutura deficiente e alta carga tributária, que fazem com que os produtos industrializados brasileiros cheguem caros demais ao exterior. A AEB projeta que a exportação de manufaturados ficará em US$ 56,3 bilhões este ano, 27,3% abaixo de 2019 — valor semelhante ao registrado em 2004.

Procurado, o Palácio do Planalto indicou como porta-voz o Itamaraty, que não se pronunciou. Da mesma forma, o Ministério da Agricultura foi questionado sobre as possíveis consequências da postura do governo brasileiro para o setor, mas também não respondeu até o publicação desta matéria. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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