O trem das 10h24 que partia da capital do Djibuti atraiu alguns dos maiores nomes da região conhecida como Chifre da África em janeiro. Ao som de um coral de cantores tribais, a multidão de líderes africanos, diplomatas europeus e ícones da cultura popular subiu as escadas da estação ferroviária recém-construída e embarcou alegremente nos imaculados vagões com ar-condicionado para sua viagem inaugural.
“É mesmo um momento histórico, um orgulho para nossas nações e nossos povos”, diz Hailemariam Desalegn, o primeiro-ministro da Etiópia, pouco antes de o trem – a primeira estrada de ferro elétrica transnacional do continente – partir para Adis Abeba, a capital etíope. “Esta linha vai mudar o cenário social e econômico dos nossos dois países.”
A maior estrela do dia, porém, talvez fosse a China, que projetou o sistema, forneceu os trens e importou centenas de engenheiros durante os seis anos que levou para planejar e construir a ferrovia de 750 quilômetros. E o custo de US$ 4 bilhões? Bancos chineses forneceram quase todo o financiamento.
China em toda parte
Após construir uma das maiores e mais modernas redes ferroviárias do mundo dentro de suas fronteiras, a China está levando seus recursos e conhecimentos prodigiosos para o exterior. Vagões de metrô construídos na China logo estarão rodando em Chicago e Boston, nos Estados Unidos, Pequim está construindo uma linha de alta velocidade, estimada em US$ 5 bilhões, na Indonésia. Há outro sistema ambicioso em planejamento, a ferrovia pan-asiática de 3.900 quilômetros, que ligaria China, Laos, Tailândia e Cingapura.
A China está investindo em vários países do mundo, mas poucos lugares estão sendo tão remodelados pelo poderio chinês quanto a África, continente que viu relativamente pouca construção de estradas de ferro durante um século.
Apesar de anos de crescimento econômico estável, a África subsaariana continua prejudicada pela falta de infraestrutura, segundo o Banco Africano de Desenvolvimento, com apenas metade das estradas asfaltadas e quase 600 milhões de pessoas sem acesso à eletricidade.
As empresas chinesas, muitas delas estatais e sofrendo com a retração econômica em casa, aproveitaram a brecha, gastando US$ 50 bilhões por ano em novos portos, rodovias e aeroportos pelo continente africano, segundo estudo da Iniciativa de Pesquisa China-África da Escola Johns Hopkins de Estudos Internacionais Avançados.
Rota da Seda
Muitos dos projetos fazem pare da iniciativa da Rota da Seda, um investimento de US$ 1 trilhão de Pequim, que busca aprofundar os laços entre a China e seus parceiros comerciais no mundo em desenvolvimento.
Boa parte desses gastos foi diretamente para projetos ferroviários com os quais os projetistas esperam transformar a maneira pela qual os africanos viajam e fazem negócios entre si, e com o resto do mundo.
Entre os projetos construídos e financiados pelos chineses estão um sistema de veículo leve sobre trilhos operando há dois anos na capital etíope, a ligação ferroviária de US$ 13 bilhões entre Nairóbi, capital do Quênia, e a cidade portuária de Mombasa, também queniana, a ser inaugurada até o final do ano, e um ambicioso projeto de modernização ferroviária na Nigéria, o qual inclui um sistema urbano em Lagos.
Durante muito tempo, as ferrovias africanas estavam decrépitas e em declínio, mas com os chineses, isso está mudando para valer.
Ferrovias, escolas e estádios
O entusiasmo chinês em construir ferrovias, escolas e estádios na África representa um grande contraste em relação ao papel dos Estados Unidos, que têm evitado financiar projetos de infraestrutura no continente. Uma das poucas exceções, a África Poderosa, uma iniciativa de US$ 9,7 bilhões anunciada pelo então presidente Barack Obama, em 2013, ficou longe de alcançar a meta de levar eletricidade para 20 milhões de casas em cinco anos.
Quando se trata de comércio, a China ultrapassou os EUA em 2009 e se tornou o maior parceiro comercial da África.
Não está claro como esse cálculo pode mudar durante o novo governo. O presidente Donald Trump questionou os benefícios dos acordos de livre-comércio e um questionário de sua equipe de transição foi enviado ao Departamento de Estado no mês passado expressando ceticismo quanto aos projetos de ajuda e desenvolvimento na África.
Isso preocupa autoridades africanas e especialistas no tema, que temem a perda da influência e benesse norte-americanas – e da boa vontade que costuma ser produzida pelos tão necessários projetos de infraestrutura.
Amadou Sy, diretor da Iniciativa Crescimento Africano do Instituto Brookings, afirma que os Estados Unidos estavam perdendo oportunidades de cultivar clientes fiéis. “Quem procura mercados novos, acha-os na África. Mas, agora, os EUA não estão aproveitando o grande potencial africano. Em contrapartida, os chineses estão presentes e dispostos a correr riscos”, diz Sy.
US$ 14 bilhões no Djibuti
A China está aplicando mais de US$ 14 bilhões no Djibuti — capital do país homônimo —, um ponto geopolítico estratégico em uma nação assolada pela pobreza e pelo desemprego crescentes. Os projetos incluem três portos, dois aeroportos e um aqueduto que trará água da Etiópia, país sem acesso ao mar e potência econômica regional que depende dos portos djibutienses para 90% de seu comércio externo.
Nem todos se sentem confortáveis com a visão da China. Há quem tema a influência exercida pelo país e o que acontecerá quando os países atrasarem o pagamento dos empréstimos.
No caso do Djibuti, a dívida é especialmente desafiadora, representando 60% do produto interno bruto. Mas Ilyas Moussa Dawaleh, ministro das Finanças do país, descartou tais preocupações, dizendo que o crescimento estonteante de 6,7% do país permitiria efetuar o pagamento.
“Se não corrermos o risco agora e desenvolvermos nossa infraestrutura, ficaremos presos à pobreza. Volte dentro de alguns anos e você verá que o Djibuti se tornou o centro logístico do continente”, diz Dawaleh.
Irregularidades
Outros temem a falta de transparência do governo djibutiense, seus impulsos autoritários e o irritante legado de corrupção oficial. Mohamed Daoud Chehem, líder da controvertida oposição do país e ex-candidato presidencial, diz que a falta de informação sobre os termos dos empréstimos com a China estimularam dúvidas sobre possíveis irregularidades.
Estamos falando em bilhões de dólares e falta total de transparência. As autoridades receberam propina? Não tem como saber.
Há quem se pergunte o que acontecerá ao sistema depois da saída chinesa. Os imperialistas europeus na África construíram uma série de estradas de ferro, a maioria abandonada depois que as colônias se tornaram independentes.
Embora trabalhadores da China tenham feito a maior parte do trabalho de engenharia e técnico, milhares de operários djibutienses e etíopes foram contratados para assentar trilhos e escavar túneis, ajudando a rebater parte do ressentimento local que persegue outros projetos chineses na África. O sistema será operado por maquinistas chineses durante cinco anos, quando então será repassado a cidadãos locais, muitos treinados na China.
Aplausos e música
Após uma cerimônia de inauguração ruidosa debaixo do sol escaldante, somente as pessoas mais bem conectadas puderam embarcar no trem, cercado de aplausos e música ao sair da estação.
Daha Ahmed Osman, 34 anos, especialista técnico que trabalha para o governo do Djibuti, abriu um sorriso largo enquanto observava a paisagem árida se esparramar pelas janelas panorâmicas do trem.
Ele previu que o novo trem transformaria o Djibuti e a Etiópia e, um dia, toda a África. “Por isso, temos de agradecer aos chineses, porque eles dividiram conosco seu dinheiro e tecnologia. Em primeiro lugar, agradecemos por demonstrarem confiança em nós.”
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