Sede da Evergrande, em Shenzhen (Leste da China): situação da megaincorporadora, que tem dívidas equivalentes a 15% do PIB brasileiro, preocupa| Foto: Alex Plavevski/EFE/EPA
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A China vai crescer menos. Depois de uma expansão superior a 8% no PIB em 2021, algo que não se via desde 2011, as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projetam que, nos próximos anos, a taxa ficará entre 5% e 5,5%.

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“O principal motor do crescimento chinês durante a primeira década deste século foi o investimento em capital fixo, para o qual a construção civil – indústria grande demandante de aço no país – constituiu peça central”, aponta nota técnica divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Essa desaceleração pode ter impactos na economia brasileira, que tem no país asiático um de seus principais compradores de commodities, como o minério de ferro, que responde por 17% da pauta brasileira de exportações. A segunda maior economia mundial também é grande fornecedor de insumos para o campo.

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Um dos sinais de desaquecimento do crescimento chinês são os problemas com a megaincorporadora Evergrande. Uma das maiores do país, tem 1,4 milhão de imóveis a serem entregues e emprega 200 mil pessoas. Outro sinal são as dificuldades com o fornecimento de energia, que têm levado a interrupções na produção.

O papel da Evergrande

A preocupação com o futuro da Evergrande ganhou relevância na segunda semana de setembro. A empresa não conseguiu se adaptar às novas regulações do governo chinês sobre o sistema imobiliário, que preveem limites de endividamento e de exposição a ativos de risco, como forma de garantir a sanidade financeira e operacional. As dívidas da Evergrande são estimadas em US$ 305 bilhões, o equivalente a 15% do PIB brasileiro. E seus ativos correspondem a 6,5 vezes o capital próprio.

“A crise enfrentada pela Evergrande acendeu alertas no mercado brasileiro. A construção civil sempre foi e ainda é hoje um dos motores centrais da economia chinesa, sendo um dos principais vetores de sua demanda por aço e ferro. As perspectivas de estouro de uma bolha imobiliária e uma possível crise econômico-financeira que venha a impactar as exportações brasileiras de ferro estão na ordem do dia”, diz o Ipea, em nota técnica.

Havia o temor de que o grupo quebrasse e se tornasse um novo Lehman Brothers, o banco de investimentos norte-americano que quebrou em 2008, na esteira da crise do subprime, e levou o mundo à maior crise financeira em 80 anos.

Jennie Li, estrategista de ações da XP Investimentos, descarta uma correspondência entre as duas empresas: “A China sabe o que está acontecendo. Os credores são bancos domésticos, ligados ao governo. O país tem ferramentas para evitar o colapso da empresa”.

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Ela afirma que os problemas na Evergrande estão na raiz de uma mudança na postura das lideranças chinesas. "O mercado imobiliário estava em euforia, baseada em altas alavancagens. E o governo local vê isso como risco para o setor financeiro. Agora apertou as regras para a tomada de empréstimos", diz.

A empresa deveria ter pagado, no dia 23, US$ 83,5 milhões em juros a investidores estrangeiros. Mas, segundo a agência de notícias Reuters, a Evergrande não teria dado satisfação aos credores. Outro pagamento de US$ 47,5 milhões deixou de ser feito no dia 29. Ela ainda tem um prazo de carência de 30 dias para quitar o débito, antes dele ser considerado calote.

“A Evergrande não vai afundar a China. Os problemas em 2008 eram mais sistêmicos”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. E há um outro aspecto, lembra o professor Mauro Rochlin, da Fundação Getulio Vargas (FGV): naquela época havia uma alavancagem bancária generalizada.

A head de renda fixa da XP Investimentos, Camila Dolle, aponta que um eventual default da Evergrande pode ter uma série de implicações, afetando a cadeia de fornecedores, mutuários e acionistas. Mas diz que o risco de um contágio global é mínimo, uma vez que a menor parte da dívida está no mercado de capitais.

“A maior parte está concentrada no mercado bancário, principalmente nos grandes bancos chineses, que são públicos e estão entre os maiores bancos globais.”

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Quanto mais ordenado for o processo que envolve a Evergrande, melhor será para os mercados emergentes, diz Alessandra Ribeiro, diretora da consultoria Tendências. “Em períodos mais turbulentos, cria-se uma aversão ao risco e os investidores migram para ativos mais seguros, impactando negativamente no câmbio.”

Contudo, ressalta o Ipea, a crise da megaincorporadora está longe do fim. “Caso resulte em perdas para outras empresas e instituições financeiras atuantes no setor, pode contribuir para derrubar ainda mais os preços do minério de ferro no futuro próximo.”

Fornecimento de energia também preocupa na China

Outro sinal de alerta é a questão energética, com forte elevação dos preços e interrupções no fornecimento em regiões próximas a Pequim, a capital, e Xangai, um dos principais polos econômicos da segunda maior economia global.

“As razões para a elevação das cotações de energia estão atreladas ao aumento da demanda neste período de transição da pandemia, ao cenário climático mais desafiador, ao aumento nos preços do gás, combustível também utilizado na geração a partir das térmicas, e restrições de produção a partir da queima de carvão – fonte primária de energia no país, representando 60% do total – derivadas das preocupações ambientais e dos compromissos assumidos de redução das emissões”, aponta relatório do Itaú BBA.

Segundo a instituição financeira, essa situação se soma a outros efeitos colaterais da pandemia que já vinham preocupando, como a explosão dos fretes marítimos, escassez de contêineres e lentidão nas operações portuárias. Esses problemas têm a ver com a redução das restrições de mobilidade mundo afora, que gera forte demanda por matérias-primas e produtos acabados. “A oferta não tem conseguido responder com a devida velocidade”, diz o texto.

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A atividade industrial também caiu para níveis contracionistas pela primeira vez desde fevereiro de 2020, quando o país foi atingido pela disseminação da Covid-19, então uma epidemia. Segundo dados do Escritório Nacional de Estatísticas (NBS, na sigla em inglês) divulgados em 30 de setembro, o índice de gerentes de compras (PMI) caiu abaixo dos 50 pontos, mostrando uma perda de ritmo na atividade econômica.

Segundo Jennie Li, a China não vai parar de crescer. Ela diz que a segunda maior economia global está reorientando seus planos de crescimento. Tanto é que, em seu mais recente Plano Quinquenal, o país não fixou uma meta de expansão anual do PIB.

Confira a seguir a evolução do crescimento da economia chinesa desde 1980. A reportagem prossegue logo abaixo:

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

“A China quer sair de um crescimento focado na velha economia, em questões como infraestrutura, para o foco no consumo interno”, diz a estrategista da XP.

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O consumo doméstico ainda tem peso relativamente pequeno na economia chinesa, em comparação com o que ocorre em outros países emergentes. Dados da revista britânica "The Economist" mostram que, em 2019, ele respondia por 38,1% do PIB – no mesmo ano, esse percentual no Brasil era de 64,2%.

Outro fator relevante é a questão ambiental. O governo de Xi Jinping se comprometeu a reduzir as emissões de gás carbônico e levar a China à neutralidade de carbono até 2060. Para isso, pretende usar as Olimpíadas de Inverno, no começo de 2022, em Pequim, como cartão de visita. “É um evento muito importante para os planos chineses”, diz Jennie. A capital e outras grandes cidades sofrem com graves problemas de poluição, principalmente no inverno.

Como a desaceleração da China afeta o Brasil

A desaceleração da China pode ter impactos na economia brasileira, por meio das commodities agrícolas e minerais. “Isto pode levar a mais volatilidade nesses preços”, diz Jennie. O país é um grande importador desses produtos.

Um relatório publicado em meados de setembro pelo banco Inter aponta que os dados abaixo do esperado da economia chinesa colocam em dúvida a força da recuperação econômica do país e a demanda futura por insumos, especialmente para a indústria siderúrgica.

Apesar de a exportação para o país asiático de minério de ferro ter permanecido praticamente estável em tonelagem, e subido 89% em valores no comparativo entre os nove primeiros meses de 2020 e 2021, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), o preço caiu 44% desde o pico registrado em 1.° de julho, de acordo com o Financial Times.

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“Desde junho, o governo chinês retomou o fechamento de capacidades [unidades] menos eficientes e mais poluentes, em continuidade ao plano de redução de emissão de CO2 no país. Além disso, novas interferências governamentais em diversos setores acendem o alerta sobre futuras intervenções nos preços das commodities, como já visto no passado”, escreve Gabriela Cortez Joubert, analista do Inter.

Agronegócio pode sentir efeitos

Quem também pode sentir os efeitos de uma desaceleração chinesa é o agronegócio: 38% do que o setor exportou neste ano foi para lá. Foram US$ 31,7 bilhões até agosto, segundo o Ministério da Agricultura.

Os analistas do Itaú BBA lembram que a pauta é concentrada em produtos básicos à alimentação local – 61,5% das exportações para o gigante asiático são de soja –, o que os torna menos sujeitos às variações de renda. E caso haja uma desaceleração mais forte, o crescimento da demanda pode perder força.

Dois produtos que representam quase 15% da receita das exportações do agronegócio para a China podem enfrentar um ambiente mais desafiador, por serem menos essenciais ao consumidor ou de maior valor: é o caso da carne bovina e do algodão.

Mas os impactos não se restringem somente aos negócios do Brasil para a China. A questão energética pode impactar na produção de insumos. Os chineses são os maiores produtores de fertilizantes e estão entre os principais fornecedores brasileiros. E um quinto das importações de defensivos agrícolas vem da China.

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Segundo o Itaú BBA, já estão ocorrendo paralisações ou redução na produção de fertilizantes devido à falta ou interrupção de fornecimento de energia. Há um outro agravante: a maioria da produção local usa o carvão como fonte energética, o que a torna mais vulnerável às restrições ambientais. Mesmo as empresas que dependem do gás estão enfrentando a alta nos preços. “Nesse cenário, não se descarta também a possibilidade de a China controlar as exportações de produtos.”

As restrições energéticas também estão atingindo as fábricas de defensivos agrícolas. A China é um grande produtor e fornecedor desses insumos – 95% do glifosato vem de lá. O governo de Yunnan (Sul da China), maior produtora de fósforo amarelo do país, promulgou a restrição no consumo de energia, o que forçou a redução na produção, causando desabastecimento e elevação nos preços.

Nos próximos meses, indústrias de outras duas províncias – Shandong e Hebei, no Leste – e importantes fabricantes de princípios ativos podem suspender a produção devido a inspeções da área de proteção ambiental.

Outros impactos

Outro impacto pode ser sentido na B3, a bolsa brasileira, que, nos últimos meses, vem perdendo fôlego. Desde o pico de 130.776 pontos, registrado em 7 de junho, o Ibovespa já caiu 13,72%.

“A bolsa brasileira é muito dependente de commodities exportadoras. Veja o que geralmente acontece com ela, quando a Vale cai”, diz Jennie.

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Sobre eventuais impactos no dólar, decorrente da desvalorização das commodities, ela afirma que o risco doméstico já está bem elevado, em função de questões como a solução para o problema dos precatórios e as eleições de 2022. “É um cenário mais cauteloso”, conclui.