Pequim reagiu nesta sexta-feira (02/08) duramente à decisão do presidente Donald Trump de impor sobretaxas em tudo o que China exporta para os Estados Unidos e alertou que Washington terá de suportar “todas as consequências” por suas ações. Segundo um porta-voz do Ministério do Comércio, a nova escalada tarifária “não favorece aos melhores interesses dos dois países e do mundo e terá uma influência recessiva sobre a economia global”.
A resposta do governo chinês veio na sequência do anúncio de Trump de que irá aplicar sobretaxa de 10% a US$ 300 bilhões em produtos importados do país asiático. Trump se posicionou apenas um dia depois de uma nova rodada de negociações em Shangai, que postergou para setembro as tentativas de encerrar a guerra comercial.
Na prática, tudo o que a China vende para os Estados Unidos – roupas, iPhones, químicos e equipamentos de construção – será tarifado entre 10% e 25% a partir do dia 1º de setembro.
Os analistas, no entanto, não se surpreenderam. “Trump apenas está sendo Trump, comportando-se de sua habitual forma maluca”, reagiu Yao Xinchao, professor de comércio na Universidade de Economia e Negócios Internacionais, em Pequim. “Ao ameaçar a China com paus e pedras, ele busca reafirmar seu estilo agressivo e ganhar apoios para a reeleição”.
O governo chinês, que havia classificado as conversas desta semana como “construtivas”, emitiu sérias advertências à administração Trump por causa das novas tarifas, concebidas para pressionar Pequim a concordar com práticas comerciais mais justas.
O Ministério do Comércio anunciou que “deverá tomar as contrapartidas necessárias para defender seus interesses”, enquanto o Ministério das Relações Exteriores disse que “lamenta e se opõe” ao anúncio de Trump.
Leia também: Guerra comercial EUA x China - Quem está ganhando
“A China não quer uma guerra comercial, mas não temos medo e lutaremos se for necessário. Esperamos que os EUA corrijam seus equívocos e retornem ao bom caminho da negociação, com base na igualdade e respeito mútuo”, afirmou um porta-voz do Ministério do Comércio. “Os EUA se articulam para escalar os atritos comerciais e elevar as tarifas, o que não favorece aos melhores interesses dos dois países e do mundo e terá uma influência recessiva sobre a economia global”.
A porta-voz Hua Chunying repetiu que a China não se se curvará e acusou os EUA de mudar o jogo a toda hora. “Os Estados Unidos usam as negociações para tentar resolver seus problemas domésticos. É como se tomassem veneno para matar a sede”.
Irritado com o que diz serem práticas comerciais injustas da China, que resultariam num enorme superávit comercial com os Estados Unidos, Trump tem apelado às tarifas para tentar fazer Pequim concordar não apenas em comprar mais produtos americanos, bens e serviços, mas também reformular seu sistema regulatório.
Trump acusa a China de roubar propriedade intelectual, forçando empresas estrangeiras a entregar sua tecnologia como preço de entrada no mercado, e de subsidiar empresas estatais com vantagens competitivas. O Japão e muitos governos da Europa compartilham suas queixas.
Jogo de puxa-empurra e frustrações
Embora Pequim tenha concordado em mudar suas práticas quanto ao investimento estrangeiro, não aceita, contudo, receber ordens de Washington sobre como administrar a economia. Além do jogo de puxa-empurra sobre o conteúdo de um acordo, os dois lados também não se entendem sobre como as novas regras seriam aplicadas.
Trump está claramente frustrado com o ritmo lento das negociações, já que, em abril, chegou a afirmar que os dois lados estavam à beira de um acordo "épico". Ele também não gostou dos relatos de que a China estaria desacelerando as negociações, aparentemente por acreditar que quanto mais perto da eleição americana, mais chances haverá de um acordo mais favorável.
"As negociações em Xangai obviamente não resultaram em nada concreto, e muitas pessoas já acham que a China deve esperar até o fim das eleições dos EUA", comenta o professor Yao. Por outro lado, o presidente norte-americano tem repetido que a China está ansiosa para fechar um acordo para salvar a saúde da economia chinesa.
A economia chinesa recuou para seu menor ritmo de crescimento em 30 anos, apesar de ainda se manter dentro da banda prevista pelo governo, entre 6 e 6,5%. Apesar dos indicadores negativos, poucos analistas asiáticos acreditam que Pequim está desesperada por um acordo.
“O governo chinês se preparou para o pior desde o começo e projetou que situações extremas poderia acontecer sob a administração de Trump”, pondera Mei Xinyu, pesquisador da Academia Chinesa para Comércio e Cooperação Internacional.
“Na minha avaliação, as novas tarifas sobre US$ 300 bilhões em produtos não são tão altas e não terão força para fazer Pequim mudar suas políticas e estratégias”, diz Xinyu.
Retaliação com outras armas
A China não pode retaliar as tarifas americanas na base do dólar por dólar porque o país, simplesmente, não compra nem de perto o volume importado pelos EUA. A América importou no ano passado US$ 559 bilhões de bens e serviços da China, enquanto os asiáticos importaram o equivalente a apenas US$ 179 bilhões, segundo estatísticas do Departamento de Comércio Exterior dos EUA.
Mas empresas e grupos corporativos estão cada vez mais preocupados com a possibilidade de Pequim utilizar outras ferramentas de retaliação. “Além das tarifas, a China também pode recorrer às sanções empresariais, assim como os EUA fizeram em relação à Huawei e outras companhias chinesas”, avalia Mei, do Ministério do Comércio. “Pode haver mais medidas compensatórias da China caso os Estados Unidos prossigam nessa confrontação. Quem quer que comece uma briga, tem que pagar o preço por ela”, afirmou.
Num editorial desta sexta-feira, o jornal chinês Diário do Povo, porta-voz do Partido Comunista, defendeu “iniciativas que liberem nosso potencial” para superar obstáculos e “romper as ondas adversas” da economia. “A economia chinesa entrou numa fase de qualificação de seu rápido desenvolvimento. E o mar não estará sempre calmo para velejarmos”, diz o jornal. “Lutaremos uma batalha dura e estaremos preparados para afastar os riscos; em nossa estratégia ofensiva, dominaremos a tormenta e transformaremos o perigo em oportunidade”.