Há um século, eram os exploradores e soldados das grandes potências europeias que disputavam fatias da África. Agora, são os agentes do capital chinês e brasileiro, mas a concorrência é tão acirrada quanto naquele tempo.
Em um sinal da nova ordem mundial do século 21, a brasileira Vale, maior produtora mundial de minério de ferro, compete cabeça a cabeça com a chinesa Jinchuan Group, grande produtora de níquel, pelo controle da Metorex, uma mineradora sul-africana de médio porte.
A saga ainda deve durar pelo menos mais uma semana, mas nos últimos dias a Jinchuan impôs um duro golpe aos brasileiros, ao fazer uma oferta de 1,3 bilhão de dólares, superando a de 1,1 bilhão de dólares da Vale.
O polpudo ágio que a Jinchuan se dispõe a pagar pela Metorex, que explora cobre e cobalto em Zâmbia e na República Democrática do Congo, demonstra claramente até onde as empresas chinesas se dispõem a ir para assegurar os recursos naturais necessários para aplacar o apetite industrial do país.
Mas é também um sinal de que as companhias chinesas, principalmente as estatais, são capazes de fazer ofertas irrecusáveis em aquisições internacionais, graças ao financiamento barato que obtêm de Pequim, em vez de precisarem pagar mais por empréstimos comerciais.
Esse aspecto do crescimento chinês na nova "Corrida pela África" deve alimentar a sensação de que o terreno de jogo está desnivelado em favor de Pequim, o que por sua vez cria uma tensão com outras potências emergentes e abala esforços pelo fortalecimento da diplomacia "Sul-Sul."
"As estatais chinesas com acesso a financiamentos governamentais baratos para as suas exportações podem facilmente bater a Vale e afins, que precisam pagar taxas comerciais -- portanto mais caras -- pelo financiamento", disse Markus Weimer, da entidade londrina Chatham House.
"Subsídios estatais para empresas nacionais continuarão sendo observados com desdém por governos ocidentais, e cada vez mais por outras potências emergentes, como Brasil e Índia", acrescentou.
Brasil na África
Que o Brasil é um ator em ascensão na África não é novidade.
Durante os seus dois mandatos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva priorizou o fortalecimento das relações comerciais do país com o continente, visitando pelo menos 25 países africanos e duplicando o número de embaixadas.
O Brasil tem hoje 31 representações diplomáticas formais na África, atrás de EUA e Rússia, com 46 e 45, respectivamente, mas bem à frente da Grã-Bretanha, com 26, que por contenção de custos está tendo de fechar embaixadas no seu antigo "quintal."
Mas, em relação à China, o Brasil ainda está bem atrás. Pequim tem 42 embaixadas na África -- o dobro da Índia --, e firmas chinesas interessadas em investir no continente podem recorrer a várias fontes de financiamento, como o China Exim Bank, o Banco da China e o Banco de Desenvolvimento da China.
Já as empresas brasileiras têm a seu dispor, além dos bancos comerciais, praticamente só Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é um agente importante, mas em geral evita se envolver em mercados mais instáveis.
No que diz respeito ao comércio, a China também está disparada na frente, fazendo transações de 107 bilhões de dólares por ano com o continente, mais do que os EUA.
Para efeito de comparação com os outros países do grupo Bric, a Índia negocia 32 bilhões de dólares, o Brasil movimenta 20 bilhões, e a Rússia tem um comércio de pífios 3,5 bilhões de dólares com a África.
Mas isso não significa que está tudo a favor da China. A preferência dos gestores chineses por mão de obra importada, junto ao comportamento ríspido deles, cria descontentamentos entre os locais, pelo menos em Zâmbia, onde mineiros foram feridos a bala ao se queixarem das condições de trabalho e dos salários.
No entanto, diante da sua proeminência comercial, diplomática e financeira, a China parece fadada a manter sua liderança.
"Este negócio da Metorex realmente revela a competição entre os países Bric pelos recursos e por acesso na África, e a musculatura financeira e o poder de fogo que acompanha os grandes agentes chineses", disse Hannan Erdinger, da consultoria Frontier Advisory, de Johanesburgo.