Com 150 anos de história, a Rua 25 de Março, localizada na região central de São Paulo, é considerada o maior centro de comércio popular da América Latina, com 400 mil pessoas circulando diariamente por ali, um milhão no período do Natal. Mas se a rua sempre foi conhecida como a “rua dos árabes” – por causa da forte presença desses imigrantes que iniciaram seus negócios na região no início do século passado –, o cenário vem mudando nos últimos anos.
Levantamento recente da Univinco (associação de lojistas da região) mostrou que apenas 40% das lojas atualmente são administradas pelos árabes, que têm dado espaço cada vez maior aos chineses.
O comerciante Sérgio Zahr, de 70 anos, herdou a perfumaria aberta em 1928 pelo pai e um tio, vindos da cidade de Homs, na Síria. Mas ele só foi trabalhar no comércio depois que o pai adoeceu. “Eu me formei advogado e só vim pra cá há uns 40 anos. Muitas lojas estão fechando porque os filhos, os netos, não querem mais seguir com o negócio. O sonho de todo imigrante era de que o filho se tornasse doutor. Tenho dois filhos: um é advogado e o outro é engenheiro, não tem interesse no comércio. Isso contribuiu para que algumas das lojas tradicionais tenham fechado nos últimos anos”, comenta.
A pesquisadora Juliana Mouawad Khouri, da Universidade de São Paulo (USP), estudiosa da imigração árabe, destaca a ida dos árabes para outros setores da economia considerados mais rentáveis como o ramo imobiliário e a construção civil, além da valorização imobiliária, como alguns dos motivos para a saída dos árabes do comércio popular da Rua 25 de Março.
“Os árabes continuam donos de boa parte das propriedades. Passaram a alugar os imóveis que, muitas vezes, são transformados em galerias de boxes porque é muito rentável “, comenta Juliana. Mesmo com os preços altos, a demanda por imóveis na região é tão grande que é quase impossível encontrar uma placa de “vende-se” ou “alugue-se” por ali. De acordo com Juliana, não existe nem uma imobiliária que atue na região porque assim que alguém anuncia que vai vender ou alugar um imóvel já se forma “uma fila de interessados”.
Um comerciante da região que preferiu não se identificar afirmou que muitos lojistas tradicionais “perderam o interesse” em prosseguir com o negócio por causa da alta “exorbitante” nos alugueis (os reajustes chegam a 40%) e da carga tributária. “Nós pagamos muitos impostos. Os chineses que vêm pra cá não pagam nada disso. A concorrência com eles é predatória já que vendem produtos falsificados e, por isso, mais baratos. Eles oferecem altos valores pela locação dos imóveis. Desse jeito, os comerciantes antigos preferem alugar pra eles. Passam a viver de aluguel, que é muito mais fácil.”
Nas galerias, o aluguel de um box chega a custar R$ 5 mil por mês. Nos corredores, o mandarim é a língua mais falada: esses espaços são ocupados majoritariamente por chineses. Há também a presença cada vez maior de restaurantes que oferecem comidas chinesas e muitos anúncios em mandarim pregados nas paredes. Mas, com os chineses, a conversa dificilmente evolui. Dizem que não falam bem o português ou simplesmente não respondem às perguntas.
A imigração chinesa não é um fenômeno tão recente. Iniciou-se na década de 1980, mas os comerciantes tradicionais da região observam que a “invasão chinesa” se intensificou na região da 25 nos últimos 10 anos. Sobre a presença cada vez menor dos árabes por ali, Sérgio Zahr acredita que a memória ficará por conta dos nomes das ruas adjacentes à 25 de março.