Pelos próximos três meses, o Brasil importará da Bolívia apenas 75% do volume de gás natural a que tem direito. Anunciada na semana passada, a redução desta vez, voluntária se deve ao bom nível dos reservatórios das hidrelétricas brasileiras, que permitiu ao governo desligar parte das usinas térmicas movidas a gás durante o período de chuvas. Impensável um ano atrás, a atitude ilustra a tranquilidade esperada para a oferta de eletricidade no país em 2009. Nem a atual estiagem no Sul do país parece preocupar autoridades e especialistas do setor.
"O cenário climático é, de modo geral, favorável, e a economia está se desacelerando. A curto e médio prazo, não teremos problemas", diz Edmar de Almeida, professor do grupo de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para Márcio SantAnna, sócio-diretor da comercializadora de energia Ecom, "o risco de racionamento neste ano é zero".
Trata-se de uma mudança radical de cenário: há onze meses, o Instituto Acende Brasil previa que o país tinha de 6% a 10% de chances de enfrentar um apagão em 2009. Em entrevista ao jornal "Valor Econômico", o presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, disse na sexta-feira que, ainda em janeiro do ano passado, o risco de racionamento iminente no Brasil chegou a 20%, tendo subido para 32% no mês seguinte. Na ocasião, foi ignorado pelo Ministério de Minas e Energia, mas até hoje mantém sua versão.
A atual situação do setor já se reflete na forte queda dos preços do mercado livre, segmento que responde por 27% do consumo nacional e do qual participam grandes consumidores de energia, principalmente da indústria. Por outro lado, a combinação de uma série de fatores fará com que os demais consumidores, clientes do mercado regulado, paguem mais caro pela eletricidade neste ano. A começar pela salgada fatura das usinas térmicas, que trabalharam dobrado em 2008 justamente para poupar os reservatórios das hidrelétricas (veja matéria na página 7).
Demanda menor
O "estoque" de água formado ao longo de 2008 e a perspectiva de chuvas dentro da média histórica no primeiro semestre ainda que no momento haja estiagem em algumas regiões já prenunciavam uma certa folga no abastecimento. Em setembro, antes mesmo do estouro da crise, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) anunciou esperar uma "sobra" de 900 megawatts (MW) em 2009, potência suficiente para abastecer uma cidade de 2,5 milhões de habitantes. A possibilidade de déficit de energia foi descartada de vez na sequência, assim que ficaram mais nítidos os sinais de que a produção industrial sofreria forte desaceleração.
A crise fez a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão federal responsável pelo planejamento do setor, reduzir de 5,8% para 5,2% a projeção de aumento da demanda por energia em 2009. Essa perspectiva pode cair ainda mais, pois tem como base um crescimento de 4% da economia neste ano, previsão que hoje é tida como bastante otimista.
Segundo os dados mais recentes, o consumo industrial, responsável por metade da demanda de eletricidade do país, caiu 4% entre outubro e novembro. Tudo indica que houve novas baixas desde então. De acordo com o ONS, a geração de energia elétrica para o Sistema Interligado Nacional (SIN) nos seis primeiros dias de 2009 recuou quase 10% em relação à carga do início de dezembro, para 45 mil MW médios. O número também é 11% menor que o registrado no início de janeiro de 2008.