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A proposta de reforma na legislação do Imposto de Renda tem ao menos cinco ameaças às empresas, apontam especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Na avaliação deles, a reforma pode aumentar a carga tributária das empresas, a complexidade do sistema tributário e as disputas judiciais entre governos e contribuintes. Além disso, dizem, as regras propostas não garantem a ampliação do investimento produtivo e podem desestimular o crescimento das empresas.
Na busca por um texto que atenda a diferentes interesses – de empresas, estados e municípios –, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA), relator da proposta, já apresentou quatro pareceres diferentes. E agora prepara o quinto. Por falta de acordo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já adiou duas vezes a votação do projeto.
No atual cenário, o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, aponta que as chances de a reforma passar do jeito que está são praticamente nulas. Um termômetro para isso são as alterações promovidas pelo relator. "A imprevisibilidade é grande e isto contribui para afetar as perspectivas de crescimento."
O ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu que prefere rejeitar a reforma tributária a piorar o sistema. Na última sexta-feira (20), disse ao jornal Valor Econômico que a base de arrecadação está crescendo e que é hora de reduzir alíquotas.
Confira a seguir quais as cinco ameaças às empresas que especialistas veem na reforma tributária:
1. Mais carga tributária para algumas empresas
Segundo Cintia Meyer, sócia e especialista em direito tributário, societário e fusões e aquisições do escritório Martinelli Advogados, a ideia do governo de cobrar imposto sobre os dividendos – fatia do lucro distribuída aos sócios da empresa – vai aumentar a tributação total de empresas e seus sócios.
Hoje o lucro empresarial é tributado apenas na pessoa jurídica. A ideia do governo é reduzir a alíquota do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e, ao mesmo tempo, passar a cobrar 20% sobre o que for distribuído aos sócios – os chamados dividendos, que hoje são isentos. É na soma desses componentes que o peso total dos tributos pode subir.
“Para cada R$ 100 de riqueza gerada, o sócio indiretamente já paga R$ 34, recebendo apenas R$ 66. Com isso, tributar este R$ 66 em mais 20% significaria uma carga total de cerca de 47%, o que se mostra pouco razoável”, diz a advogada.
Mesmo com o substitutivo de Sabino, a carga total sobre as empresas passaria a 37%, implicando em um aumento no custo tributário das de menor porte, que são as que, de acordo com ela, geram menos resultado e tendem a distribuir todo o seu lucro.
Porém, boa parte das pequenas empresas tende a ficar livre dessa nova tributação sobre dividendos. Modificações feitas pelo relator da proposta isentaram do imposto os sócios de empresas enquadradas no Simples e também das que estão no regime de lucro presumido e faturam até R$ 4,8 milhões por ano.
Segundo Cintia Meyer, a carga tributária para empresas maiores poderá cair, desde que elas distribuam menos que 62,5% do lucro. "Isso porque os lucros reinvestidos ou aplicados em reservas não são tributados, ou seja, não estarão sujeitos à tributação adicional de 20%.”
Os segmentos de alto crescimento, e baixos lucros e dividendos, devem se beneficiar pela redução no IRPJ. É o caso de empresas do segmento de tecnologia e pequenas e médias empresas que fizeram IPO (abertura de capital na bolsa) recentemente.
Outra alteração, o fim dos juros de capital próprio (JCP) vai afetar principalmente as empresas de segmentos como financeiro, telecomunicações, elétricas e de consumo. “Várias delas poderiam ter um impacto expressivo nos lucros, o que seria parcialmente compensado por uma eventual redução do IRPJ”, apontam, em relatório, os estrategistas da XP Investimentos Fernando Ferreira e Jennie Li.
Eles ressaltam que uma forma que as empresas poderiam reduzir o impacto do fim dos juros de capital próprio seria aumentar o endividamento, para que o aumento de pagamento de juros sobre a dívida reduza o lucro tributável. “Porém, isso aumentaria o risco das empresas.”
Pelas contas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a reforma eleva a carga tributária média das empresas, que atualmente é de 34%, para no mínimo 39,2%. E pode chegar a 40,4%, caso a condição para a redução da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) não se concretize.
Caso esta alta seja confirmada, diz o consultor tributário José Messias Teodoro, já há um perdedor: o consumidor. Ele acredita que o aumento na taxação será repassado aos preços.
2. Não simplifica o sistema tributário
Um dos principais problemas do sistema tributário brasileiro é a sua complexidade. É o sétimo que gera mais dificuldades para as empresas, segundo o relatório Doing Business, do Banco Mundial. De acordo com esse levantamento, só é mais complicado declarar impostos na Somália, Venezuela, Chade, República Centro-Africana, Bolívia e República do Congo.
A proposta que está em tramitação na Câmara não caminha para a simplificação, diz a pesquisadora Juliana Damasceno, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). “E garante a manutenção de pesadas estruturas nas áreas de compliance e tributária nas empresas”, complementa.
O que está acontecendo, de acordo com Douglas Mota, sócio do Demarest Advogados, é um aumento da carga tributária por meio de sua realocação. O que é necessário fazer, segundo ele, além da redução da complexidade, é promover uma equalização.
3. Não garante a retomada dos investimentos
Além de compensar a perda de arrecadação provocada por outros pontos da reforma do IR, a proposta de taxação dos dividendos, inspirada na França, tem por objetivo fazer com que as empresas direcionem mais recursos para o investimento produtivo, que, no Brasil, é baixo.
Isso porque, quanto maior for o lucro reinvestido na companhia, menor será a fração distribuída aos sócios – e menor o imposto que será cobrado deles.
No ano passado, a taxa de investimento correspondeu a 16,43% do PIB, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O ideal seria que ela fosse superior a 20%, aponta o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Mas especialistas avaliam que, por si só, a tributação dos dividendos não tem o condão de elevar o investimento. “As idas e vindas em relação ao IRPJ e ao imposto sobre dividendos podem criar uma situação que não incentiva a realização de investimentos produtivos”, destaca a chefe de economia da Rico Investimentos, Rachel de Sá.
A pesquisadora do Ibre/FGV lembra que outras questões, além da tributação, pesam sobre a realização de investimentos. “Isto é só parte da história”, diz. Ela destaca também que, em algum momento, o investidor vai querer o retorno do dinheiro aplicado – retorno esse que virá por meio de dividendos, que serão tributados.
Cintia Meyer, do Martinelli Advogados, afirma que extinguir o mecanismo dos juros sobre o capital próprio, como faz a reforma, significa um retrocesso, pois seus efeitos não estão relacionados apenas à arrecadação tributária, mas também aos efeitos econômicos no mercado de capitais. “Certamente, as indústrias serão mais afetadas, pois são os negócios que exigem um maior volume de investimentos.”
4. Não estimula o crescimento das empresas
Outro problema levantado pela pesquisadora do Ibre/FGV é que, do jeito que foi desenhada, a tributação sobre os dividendos desestimula o crescimento, ao favorecer a proliferação de pequenas empresas – cujos sócios, em geral, não pagarão imposto sobre suas fatias no lucro.
“[A reforma] afeta o mercado ao diminuir a atratividade das empresas que pagam muitos dividendos”, diz Eduardo Natal, especialista em direito societário do escritório Natal & Mansur. Isto deve fazer com que muitas empresas usem mecanismos de planejamento tributário para gerenciar sua atratividade.
Segundo a XP Investimentos, as empresas de baixo crescimento e que pagam muitos dividendos seriam as mais impactadas pelas mudanças na legislação tributária. Isto atinge principalmente companhias de energia elétrica, saneamento e telecomunicações.
5. Risco de aumentar as disputas entre governo e contribuinte
Outra possibilidade, apontada por Teodoro, é o do aumento no contencioso tributário. Em 2019, as disputas entre contribuintes e governos envolviam R$ 5,44 trilhões, o equivalente a 75% do PIB, segundo o Núcleo de Estudos da Tributação (NET) do Insper.
“Há muito a ser esclarecido, a redação da proposta veio bem truncada. E enquanto não houver uma definição no texto, não se sabe o que as empresas irão fazer”, diz ele.