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O ano mal começou e duas emergências internacionais, completamente imprevisíveis, já mexeram com os mercados. No começo de janeiro, os Estados Unidos fizeram um ataque surpresa em que mataram o general do Irã Qasem Suleimani, elevando ainda mais a tensão na já instável região do Oriente Médio.
Agora é a vez de o mundo prender a respiração por causa do coronavírus, que, além de mortes, provocou perdas nas bolsas de valores mundo afora e começam a ter impactos sobre a "economia real" na China e outros países.
"Esses cisnes negros, como são chamados no mercado financeiro, acontecem. O investidor da Bolsa tem que conviver com eles, o importante é não ter pânico", diz Rodrigo Marcatti, CEO e sócio-fundador da Veedha Investimentos. "Esses momentos geram boas oportunidades para se posicionar no longo prazo", explica.
Além dos "cisnes negros", 2020 vai contar com fatores internos e globais – mais ou menos previsíveis – que vão dominar a agenda política, a economia e o noticiário. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que o cenário interno é positivo, mas que assuntos globais podem limitar o desempenho da economia brasileira.
"Num cenário de incertezas, o mercado acaba reagindo de maneira negativa. O coronavírus trouxe volatilidade forte nas ultimas duas semanas", exemplifica Roberto Indech, analista-chefe da Rico Investimentos e colunista da Gazeta do Povo.
"Independentemente dessa questões, as ações de longo prazo acabam se ajustando. É importante separar os fundamentos das empresas dos 'ruídos' que acabam impactando na economia. São os fundamentos que ditam o ritmo no longo prazo", diz Indech.
Mas quem opera na Bolsa no curto prazo pode, sim, se aproveitar desses "ruídos" para buscar mais oportunidades ou comprar empresas a preço mais em conta.
Confira a seguir cinco temas que devem impactar seus investimentos em 2020:
1. Crescimento do PIB
As previsões para a alta do PIB brasileiro em 2020 oscilam entre 2% e 2,5%. Para a inflação, o mercado financeiro estima uma taxa de 3,58%. E o Banco Central indicou que a taxa básica de juros (Selic) – referência para aplicações em renda fixa – tende a ficar em 4,25% por um bom tempo.
"Os fatores domésticos apontam pela primeira vez, em muitos anos, para uma taxa de crescimento do Brasil aliada a inflação baixa e taxa de juros real muito baixa. É um cenário inédito", explica Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra. "O que vemos é um movimento de aceleração do crédito bancário, o que vai aumentar o consumo das famílias e os investimentos das empresas, gerando um ciclo virtuoso."
Com a taxa de juros real baixa, ativos como ações, imóveis e terrenos tendem a se valorizar. "Cabe ao investidor saber fazer as escolhas certas. Parece que alguns setores mais voltados para o consumo das famílias serão mais beneficiados. Mas mesmo dentro do varejo alguns segmentos podem ser mais beneficiados que outros", recomenda o economista.
Na Bolsa, diz Marcatti, da Veedha, o cenário é muito favorável para o investidor disposto a tomar um pouco mais de risco com horizonte de médio e longo prazo e investir em ações, fundos imobiliários, ações através de fundos ou ETFs –Exchange Traded Funds, fundos de índices, que são uma forma mais barata de comprar ações. "Acho que é um momento bem interessante. Apesar do patamar da Bolsa, que vem de uma certa valorização, a gente ainda enxerga que os próximos dois a três anos vão ser bastante positivos", explica.
Apesar dos números positivos, o empresário sugere cautela: "O que recomendamos para o investidor iniciante ou para quem sempre alocou em renda fixa por hábito, é que faça isso aos pouco".
2. Reforma tributária e eleições municipais
Apesar da grande expectativa em torno das eleições municipais e das reformas tributária e administrativa – temas que vão dominar a agenda política brasileira neste ano –, o impacto delas na economia e na Bolsa não deve ser tão significativo, segundo especialistas.
Embora o mercado aguarde e torça para que as reformas saiam do papel o quanto antes, Oliveira não vê grandes chances para que isso aconteça em 2020, já que "esse ano termina em junho", referindo-se à campanha para as eleições municipais, no segundo semestre. Marcatti, por outro lado, espera novidades ainda neste ano no front tributário, "mesmo que seja uma minirreforma ou apenas uma simplificação".
As eleições municipais, inclusive em muitas capitais, serão principalmente um teste político para medir as forças entre possíveis candidatos à Presidência da República em 2022 e, dependendo da performance dos candidatos apoiados por Bolsonaro, um termômetro de como a população avalia o governo. Mas, mais que as eleições municipais, "o mercado fica de olho nas eleições americanas", sintetiza Marcatti.
3. Eleição presidencial nos EUA
Marcada para o dia 3 de novembro, a eleição presidencial norte-americana será o evento político mais relevante do ano. A disputa vai definir se Donald Trump, absolvido em processo de impeachment, continuará ou não na Casa Branca por mais quatro anos.
Importante para o mercado é saber quem será o candidato democrata escolhido pelas primárias e quão "friendly" (amigável) ele será em relação a Wall Street. "O mercado está de olho nas eleições americanas para saber quem será o oponente do Trump. Dependendo do nome, pode dar uma azedada no mercado", avalia Marcatti.
4. Guerra comercial EUA-China
Após a assinatura da fase 1 do acordo entre os dois países, uma trégua deve perdurar pelos próximos meses, mas novas tensões pode reaparecer próximo à eleição presidencial nos Estados Unidos. "A trade war [guerra comercial] não está resolvida, só tomou uma pausa por conta da assinatura da fase 1", afirma Oliveira. Segundo o economista, a guerra comercial pode afetar o preço das commodities no Brasil.
Na relação com os mercados internacionais, o Brasil tem que se acostumar a conviver com o dólar valorizado. "O real é mais fraco estruturalmente, então o real mais fraco é um evento que veio para ficar", avalia Oliveira.
5. Desaceleração da economia mundial
A maioria dos bancos centrais está fazendo algum tipo de estímulo monetário não convencional, como a taxa de juros negativa e a expansão à la "Quantitative Easing". Economistas se perguntam se, retirados esses estímulos, a economia mundial vai voltar a desacelerar. Uma possível desaceleração da economia alemã também é um dos fatores que entram no bolo.
Ao mesmo tempo, a epidemia de coronavírus na China, que representa 18% do PIB mundial, deve afetar o produto interno bruto chinês em 1% ou 2%, com consequências globais ainda difíceis de estimar. Bolsonaro afirmou na última sexta-feira (31) que as exportações brasileiras podem cair 3% por causa da emergência.
Apesar das ameaças, caso ocorra de fato uma desaceleração da economia global, o Brasil pode estar mais protegido que outros países. "A nossa é uma economia relativamente fechada e isso tem vantagens e desvantagens. Como somos pouco ligados à cadeia de valor global perdemos algumas oportunidades, mas a desaceleração do comércio global não nos afeta tanto", avalia Oliveira.