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Setor elétrico

Cinco pontos para entender a crise hídrica e os riscos de apagão e racionamento

Crise hídrica
A crise hídrica terá reflexos no dia a dia do brasileiro ao menos até 2022. Na imagem, a usina de Itaipu, que entre junho e agosto reduziu a geração de energia aos menores patamares em três décadas. (Foto: Alexandre Marchetti/Itaipu Binacional)

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Crise hídrica, racionamento, apagão. Os termos voltaram a aparecer no vocabulário rotineiro do brasileiro exatos vinte anos depois do contato mais sensível do país com o risco de uma insuficiência energética, no penúltimo ano de governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Desde então, o setor elétrico evoluiu a partir das lições daquela crise, mas o que explica o cenário de agravamento atual, levado ao "limite do limite", nas palavras do presidente Jair Bolsonaro?

A Gazeta do Povo listou os principais aspectos sobre a crise hídrica para entender como o país chegou até aqui, o que tem sido feito e quais as chances de faltar energia.

1. A pior escassez em 91 anos

Desde setembro de 2020, as chuvas registradas no país representam escassez histórica: é a pior seca em 91 anos, de acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Com pouca água armazenada para atender às geradoras de energia, é crescente desde então a pressão sobre o sistema elétrico.

A partir de maio, o período já caracterizado pela baixa umidade chegou com perspectivas de seca severa, especialmente no Sudeste e Centro-Oeste, onde ficam os principais reservatórios de armazenamento do Sistema Integrado Nacional (SIN). Ao fim daquele mês, os lagos do subsistema ocupavam apenas 32% da capacidade máxima. Neste início de setembro o volume caiu abaixo de 20%, segundo o ONS.

A escassez não é de hoje, tampouco o esvaziamento dos reservatórios das hidrelétricas. Eles se encontram no menor nível desde 2015, mas estações mais secas que a média têm sido a regra dos últimos anos, com hidrologia ruim desde 2013 e reservatórios relativamente esvaziados mesmo após as estações caracterizadas por maior afluência.

2. Uma crise hídrica diferente daquela de 2001

Apesar de a reservação nas barragens ser mais baixa hoje do que era no ano de 2001 (quando o Brasil viveu racionamento compulsório de energia e blecautes), representantes do governo afirmam e especialistas concordam que o setor elétrico está muito mais robusto do que era 20 anos atrás – o que impede uma comparação simples, apenas com base em quanta água existe à disposição para a geração de energia.

A partir da crise experimentada pelo país naquele momento, foram tomadas medidas que resolveram parte das deficiências do sistema, com avanços especialmente na transmissão e na diversificação da matriz elétrica.

Se o Brasil ainda é considerado bastante dependente da geração hídrica, com 64,9% da sua eletricidade originária dessa fonte, em 2001, a fatia era de 83,3%. Nessas duas décadas, a matriz foi diversificada, com o crescimento das térmicas, que hoje respondem por 21,3% da geração, mas também das fontes renováveis, com 10,6% de eólica e 2% de solar.

Desafio a ser superado no cenário atual, entretanto, é o fato de a eólica e a solar, por exemplo, não serem despacháveis – dependem, obviamente, de haver vento ou haver sol para que possam atender a demanda.

O aumento da malha de transmissão também é "dever de casa" feito no país após o apagão. De lá para cá as redes de transmissão saltaram de 70 mil para 164,8 mil quilômetros de extensão, permitindo a chamada importação de energia entre os subsistemas brasileiros. É, em parte, essa evolução do sistema que vem mantendo abastecidas as regiões Sudeste e Centro-Oeste – as mais afetadas pela crise hídrica atual – com energia gerada pelos ventos no Nordeste.

3. Não esvaziar a "caixa d'água" custa caro

Com a "desidratação" dos reservatórios, o atendimento à demanda precisou ser coberto pelo despacho térmico, mais caro, o que vem fazendo subir a conta de luz do brasileiro a patamares inéditos. Entre os meses de dezembro de 2020 e agosto de 2021, a bandeira tarifária (que indica quão cara é a energia gerada e consumida no país) saiu do verde (em que não há cobrança adicional) e avançou até a cor vermelha no patamar 2 (até então a mais cara do sistema). E agora, em setembro, o consumidor foi apresentado a um novo degrau.

A bandeira tarifária "Escassez Hídrica" elevou ainda mais o preço da energia, deixando claro que a conta das medidas adotadas para se evitar desabastecimentos permanecerá alta, ao menos, até 2022.

Com validade até abril do próximo ano, a nova bandeira adiciona R$ 14,20 à conta de energia a cada 100 kWh consumidos. A quantia é 49,6% maior do que a cobrada anteriormente, de R$ 9,49, quando era aplicada a bandeira vermelha patamar 2 – que já fora reajustada com o objetivo de arcar com os custos da geração termelétrica, mas cuja arrecadação seguia insuficiente para bancar a energia produzida a partir da queima de combustíveis como gás, diesel e outros.

Apesar de fazer subir a conta de luz, o uso das usinas termelétricas não pôde ser evitado, uma vez que é o modelo adotado pelo setor elétrico brasileiro para suprir disparidades entre oferta e demanda no país. Elas são contratadas para ficar de prontidão e permanecem desligadas até que o ONS as acione para dar conta do consumo.

Para evitar que os reservatórios continuassem a secar até níveis extremamente críticos, comprometendo a geração ao fim do ano, o cenário foi senha para a preservação do máximo de água nas barragens até o fim da estação seca e a volta das chuvas – esperadas a partir de outubro.

Os cálculos iniciais feitos pelo governo federal – com base em variáveis como a capacidade instalada de geração de energia do país e as projeções de esvaziamento dos reservatórios e de retomada da afluência (a chegada de água às barragens) – descartavam o risco de falta de eletricidade, ainda que mais cara. Com o passar dos meses, entretanto, a crise hídrica se agravou.

Avaliações do ONS demonstram que choveu ainda menos do que se esperava no período seco, com reservatórios baixando além do projetado. Conforme o operador, o país precisará aumentar sua geração em 8% já a partir de setembro para dar conta da demanda e evitar desabastecimentos.

Equalizar esses dois lados (oferta e demanda) passa pela contratação de geração adicional, por medidas de governança no sistema e mesmo pela redução no consumo. Essa última frente foi a que mais demorou a sair do papel no plano de ação do governo.

4. As medidas de enfrentamento à crise hídrica

Para coordenar as ações diante do cenário de crise hídrica e elétrica, o presidente Jair Bolsonaro criou, por medida provisória, a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão da Crise Hidroenergética (Creg). A publicação ocorreu em junho. Antes dela, entretanto, autoridades do setor elétrico nacional já monitoravam a situação e vinham tomando atitudes de olho em garantir a segurança energética do país.

Os primeiros movimentos tiveram como foco a oferta e medidas de governança e flexibilização. Houve mudanças em regras de uso da água, para diminuir a vazão dos reservatórios, e nos critérios para a transmissão de energia entre subsistemas do país, garantindo que eletricidade gerada em um ponto do país possa ser consumida em outros, deficitários. Foi quando se iniciaram os acionamentos das térmicas, a compra de energia de países vizinhos, como Argentina e Uruguai, e alterações em cronogramas de desligamentos programados em usinas, de modo a garantir disponibilidade.

Mais recentemente, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) recomendou o aumento na contratação de energia e de reserva de capacidade e a simplificação de processos de licenciamento de novas usinas. O objetivo é garantir fornecimento de energia aos brasileiros entre 2022 e 2025, até que as hidrelétricas se recuperem.

O comitê ressaltou "o caráter preventivo e antecipado da medida, com entrega dos recursos a menores custos". Ainda segundo o grupo, a medida "contribuirá com a garantia do atendimento e elevação estrutural dos níveis de armazenamento dos reservatórios das usinas hidrelétricas, sobretudo aos finais dos períodos secos". A sugestão foi aprovada pela Creg nesta quinta-feira (9).

Com a preocupação com a oferta na dianteira, foi só em agosto que começaram a ser anunciadas, na prática, medidas que buscam a redução no consumo para tirar pressão do sistema.

A primeira delas foi um programa de Redução Voluntária da Demanda voltado a grandes consumidores, intensivos em energia – leia-se a indústria. Conforme as diretrizes estabelecidas, as empresas participantes deverão propor períodos nos quais se dispõem a economizar um mínimo de 5 MW de energia a cada hora, por janelas de quatro a sete horas por dia. Em troca, elas receberão compensação financeira pelo racionamento voluntário.

A ideia é deslocar o consumo desses grandes consumidores, aliviando os horários de pico e colaborando, assim, para o barateamento da energia, sem a necessidade de tanta eletricidade gerada por térmicas.

Na sequência, foi decretado racionamento compulsório no serviço público. O corte deve ser de ao menos 10% de energia até abril próximo.

Por fim, o governo estendeu a bonificação pela redução voluntária do consumo também para pequenos consumidores, como os residenciais. O bônus será de R$ 50 por 100 kWh reduzidos no consumo (ou R$ 0,50 por kWh), limitado à faixa de economia entre 10% e 20%.

O programa se estenderá até dezembro de 2021 (podendo ser prorrogado) e a redução no consumo será conferida a partir da comparação da média de consumo do último quadrimestre de 2020 com mesmo período de 2021. O bônus será dado ao consumidor em janeiro.

Com o programa, o Ministério de Minas e Energia espera reduzir em 1,41% a demanda do Sistema Interligado Nacional (SIN). O bônus deve custar cerca de R$ 339 milhões por mês – R$ 1,3 bilhão no período de quatro meses – e será pago com os Encargos de Serviço do Sistema (ESS), que integram a fatura de energia paga mensalmente pelo consumidor.

5. O que esperar do fim do ano e de 2022

Com a piora significativa no cenário hidrológico, analistas apontam o aumento no risco de racionamento, mas veem apagões – isto é, blecautes – como mais prováveis.

Segundo relatório da XP, "a geração hídrica mais baixa no Sudeste exige trazer mais energia das regiões Norte e Nordeste, o que coloca mais pressão no sistema de transmissão e exige uma operação com menos backups para atender a demanda de energia. Isso significa que o sistema ficará mais vulnerável a distúrbios como queimadas, tempestades e falhas humanas", o que significa risco de corte no abastecimento. A probabilidade de racionamento calculada pela XP é de 17,2% nos próximos 12 meses.

Preocupa também o risco de falta de energia para abastecer setores que ganham tração, o que prejudica a retomada da economia – que já anda de lado, a julgar pelo PIB do segundo trimestre.

Superada a estação seca de 2021, ficará ainda a expectativa de início de um novo ciclo de chuvas, que poderão ou não levar a um período de menos estresse no setor elétrico brasileiro, uma vez que emendar mais um ano de escassez poderia colocar a geração em apuros.

Segundo o pesquisador sênior do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio (Gesel/UFRJ), Roberto Brandão, o fim do período seco e a transição para o período úmido (a partir de outubro) é hoje a grande preocupação. "Conforme o tempo for passando, vai surgir outra preocupação, que é o abastecimento do ano que vem, porque a gente vai gastar as reservas que tinha. É uma coisa que vai entrar no radar. É inevitável que os reservatórios cheguem no fim do ano em condições absolutamente críticas e isso torna o sistema vulnerável a um outro ano seco", diz.

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