Depois de embalar o crescimento do consumo nos últimos anos, a classe C perdeu fôlego nas compras. A combinação de endividamento, inflação e juros mais altos e crescimento mais tímido da renda afetaram a disposição da nova classe média em gastar.
Um estudo da consultoria IPC Marketing estima que a classe C deve responder por 26% do potencial de consumo urbano do país em 2014 cerca de R$ 790 bilhões , o nível mais baixo desde 2007, quando ficou em 25,7%. O recorde foi em 2009, com 30%. Segundo o relatório, os brasileiros vão gastar, ao todo, R$ 3,24 trilhões em 2014, mas essas despesas serão puxadas pela classe B, que será responsável por quase metade do total (50,8%), ou R$ 1,5 trilhão.
O cálculo da IPC Marketing inclui desde gastos com manutenção do lar até educação, serviços médicos, lazer e transporte, dentre outros. "A força do novo consumo está nas classes A e B. A classe emergente ainda tem a maior quantidade de domicílios, mas ela perde força", diz Marcos Pazzini, diretor do IPC Marketing.
Com a inflação corroendo o poder de compra, as famílias colocaram o pé no freio até mesmo nas compras dos supermercados, segundo uma pesquisa da Nielsen. Do aumento de 7% dos gastos nesses locais até abril, a classe C respondeu por 33,8%. Trata-se de uma queda expressiva em relação ao ano passado, de 49%. Em compensação, as classes A e B aumentaram a participação nesse aumento de 35% para 61%.
Cortes
Movida ao crédito farto, a nova classe média teve o "gostinho" de experimentar novos hábitos de consumo, como diversificar a cesta de compras no supermercado, comprar pacotes de viagem e até mesmo ir mais vezes ao salão de beleza e a restaurantes. Mas sentiu o tranco com a alta dos preços e, mais recentemente, com bancos e financeiras mais cautelosos em abrir a torneira do crédito. Segundo a Nielsen, os cortes da classe C atingiram itens como bolachas, sobremesa pronta e petit suisse, sabão em pó, água mineral e desinfetante.
De acordo com Ilo de Souza, analista da Nielsen, a classe C ainda é o principal grupo consumidor e anseia por consumir, mas vem sendo afetada pelo orçamento mais apertado. As idas aos supermercados estão mais espaçadas e as promoções ganharam peso na decisão de compras.
A menor disposição em gastar já afetou os resultados dos supermercados. No primeiro semestre, as vendas já descontadas a inflação cresceram apenas 1,59%. O desempenho deve fazer a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) revisar suas projeções para o ano. Em janeiro, a entidade estimava um aumento real de 3% nas vendas.
Empresas reveem estratégias
A classe C roubou a atenção das empresas nos últimos anos, que trataram de investigar como se comportava esse consumidor e lançar produtos voltados para esse público. Mas algumas empresas já dão sinais de que a empolgação com a classe média em países emergentes como o Brasil já não é mais a mesma.
A gigante Procter&Gamble, maior fabricante mundial de produtos para consumo, parece ser uma das primeiras a admitir a mudança ao anunciar que vai cortar 100 marcas do seu portfólio de cuidados pessoais e domésticos em todo o mundo, em uma tentativa de priorizar marcas mais rentáveis. As marcas que serão mantidas incluem as 23 que têm vendas globais anuais de US$ 1 bilhão a US$ 10 bilhões, revelou Alan Lafley, executivo-chefe presidente da companhia, em entrevista recente ao jornal The New York Times.
"Esse é pode ser um sinal dos novos tempos para as companhias. A classe C continua importante, mas as empresas estão atentas às limitações que começam a aparecer", diz Ramiro Gonçalez, pesquisador da FIA/USP.
Entraves
Para Gonçalez, a mudança de comportamento no consumo da classe C talvez ainda não aponte uma tendência, mas é um sinal de que os fatores que impulsionaram os gastos dessa classe não estão mais fazendo o mesmo efeito. "A classe C depende do aumento da renda e do crédito, o que não ocorre já na mesma proporção", reforça.