Renato Meirelles, presidente do Data Popular.| Foto: Marcos Fernandes/Coligação Muda Brasil

Depois de emergir como uma força social importante no Brasil, a Classe C amadureceu na forma de consumir e de exigir qualidade dos serviços prestados pelo Estado, o que terá impacto na forma de votar nas próximas eleições, diz Renato Meirelles, presidente do Instituto Data Popular, que acompanha as classes C, D e E desde 2001.

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Para ele, a tradução desse amadurecimento na escolha dos próximos prefeitos neste ano e também do presidente da República, em 2018, será a busca de um líder que lhe amenize o sentimento de orfandade gerado pela atual recessão, inflação elevada e desemprego mais alto.

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Haverá, assim, a consolidação do processo de renovação, pela busca de um nome novo, como ocorreu com a eleição do prefeito paulistano Fernando Haddad em 2012. Para a sucessão de Dilma Rousseff, em 2018, não será diferente, diz Meirelles.

“Não acredito que o próximo presidente da República já foi um candidato à Presidência. Será alguém que nunca se candidatou ao cargo. Será algo novo. E a força do novo nunca foi tão forte como agora, quer seja nas próximas eleições municipais, quer seja na próxima eleição presidencial”, afirma Meirelles. Confira entrevista:

O perfil da Classe C mudou ao longo do governo Dilma Rousseff?

O perfil da Classe C muda diariamente em pequenas coisas desde o Plano Real. A diferença desta crise em relação as crises de 2008 e 2009 e de 2001 e 2002 é que esta é a primeira em uma geração em que a população começa a ter um sentimento de perda, de orfandade. Então o que mudou no jeito de pensar da Classe C? O sentimento de orfandade e de abandono. E o que mudou no perfil desse segmento no governo Dilma? Foi o jeito de comprar. Como a economia parou de crescer e essa classe veio de um ‘over promise’ (promessa exagerada) de crescimento após 2010, esse brasileiro passou a pesquisar mais, a pensar antes de tomar crédito e a comparar mais os preços. Se do ponto de vista sócio-demográfico, a Classe C não mudou substancialmente, do ponto de vista do consumo houve um amadurecimento enorme. É hoje um consumidor muito mais crítico.

Diante desse amadurecimento, quais as principais diferenças em termos de demanda do Estado que a Classe C tem hoje em relação ao início do primeiro mandato do governo Lula, por exemplo?

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As pessoas saíram do governo Fernando Henrique Cardoso entendendo que o Estado tem um conjunto de funções para a sociedade. Agora, no governo Dilma, com a Classe C forte e consolidada desde então, há um entendimento de que o que o Estado faz não é um favor. E isso leva a um empoderamento efetivo do cidadão. Desde o Plano Real, tivemos a consolidação do Código de Defesa do Consumidor, a democratização da Internet e do acesso à informação, mais que dobramos o número de estudantes universitários. E a Classe C só existe por conta da geração do emprego formal. Ao pagar imposto de renda retido na fonte, a pessoa começa a entender que o que o governo faz é contrapartida do que se paga de imposto. Da mesma forma que ele se sentiu um consumidor mais empoderado, também se sente agora um cidadão mais empoderado, exigindo e cobrando. Ele também gostaria de ter um código de defesa do cidadão da mesma forma que existe um para o consumidor. O que mudou efetivamente, então, é a régua de qualidade do que esse brasileiro exige em relação a tudo, incluindo os serviços públicos. Uma das falsas polêmicas que existe, por conta da polarização política, é a eficiência do Estado versus a presença do Estado. O cidadão quer um Estado eficiente, mas ele também quer um Estado, não necessariamente menor, porém eficiente. Ele acha que o Estado é um agente importante para garantir direitos básicos, como saúde e educação, e que a garantia desses direitos oferece melhores condições para ele competir no mercado de trabalho.

Qual o impacto que a recessão atual, com inflação alta e desemprego aumentando, tem sobre o tamanho da Classe C?

Um dos erros na análise sobre as mudanças da Classe C neste período de crise é um foco maior sobre se ela vai crescer ou diminuir de tamanho e um foco menor no impacto do consumo desse seguimento. Classificação econômica usa como vertente renda, independente da fonte da renda. Se por um lado tivemos um crescimento recente do desemprego, de outro tivemos um aumento do empreendedorismo e dos bicos entre os empregados. O emprego formal não é a única fonte de renda. Portanto, a renda da Classe C não está caindo substancialmente e, assim, essas pessoas não estão caindo para a Classe D. Isso significa, na prática, que, por mais que 42 milhões de pessoas tenham entrado na Classe C, num processo de mais de uma década, uma redução nesse número não se dará rapidamente. Isso é diferente de dizer que a inflação está comendo a renda da Classe C. Ela está comprando menos com o mesmo dinheiro, como todas as outras classes sociais. Uma coisa é o poder de compra, outra é o tamanho efetivo dessa nova classe média brasileira. Enquanto o desemprego, por fechamento de postos de trabalho, não chegar em 15%, a Classe C não cai substancialmente.

Como a Classe C deve se comportar nas eleições municipais deste ano e na presidencial em 2018 em relação aos últimos pleitos municipal e presidencial?

Existe um sentimento quase que catártico de revolta com a classe política como um todo. Isso se vê pelas taxas de rejeição de todos os políticos, de Lula a Marina Silva. O sentimento de orfandade que eu mencionei antes tem a ver com a ausência de liderança, de alguém capaz de tirar o Brasil da crise. Os candidatos a prefeito que souberem entender que não existe diálogo com a população sem passar pelo reconhecimento das dificuldades que o País está passando, que esse eleitor tem um pensamento digital, que quer falar e ser ouvido, terão mais chances no próximo pleito.

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Mas haverá uma mudança de comportamento da Classe C na próxima eleição municipal?

Não acho, pois a última eleição municipal de 2012 teve já uma grande mudança. A eleição do Haddad, que era um candidato novo, e de outros prefeitos representou o início de um processo de renovação política, que não se consolidou na eleição presidencial, mas já mostrava um novo jeito do brasileiro pensar Esse processo de renovação, de busca pelo novo, vai se consolidar nas próximas eleições para prefeito, até porque é mais fácil buscar o novo na esfera municipal do que para a candidatura para presidente.

E para a eleição presidencial de 2018?

Se a eleição fosse hoje, com os candidatos que aí estão, a chance seria muito grande de uma nova polarização entre um candidato do PSDB e uma candidatura do ex-presidente Lula. Em que pesem as denúncias de corrupção e o desgaste do governo Dilma, que faz com que parte da população faça uma releitura do que foi o governo Lula, a menção ao ex-presidente pelos eleitores nas pesquisas de quem era o presidente na última vez que sua vida melhorou faz com que Lula ainda seja um candidato muito forte. Mas sendo as eleições em 2018, não acredito que o próximo presidente da República já foi um candidato à Presidência. Será alguém que nunca se candidatou ao cargo. Será algo novo. E a força do novo nunca foi tão forte como agora, quer seja nas próximas eleições municipais, quer seja na próxima eleição presidencial.

O que vai pesar mais na decisão desse seguimento do eleitorado: as denúncias de corrupção, no âmbito da Lava Jato, ou a recessão e o aumento do desemprego?

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Pela primeira vez, o brasileiro passou a ver a corrupção como causa matriz da crise econômica. Para esse brasileiro, a gasolina aumentou por conta da corrupção na Petrobras. A tarifa da energia elétrica aumentou por conta da corrupção no governo. É como se a corrupção fizesse que o custo de vida da dona Maria e do seu João ficasse mais alto e que eles piorassem de vida pela primeira vez em uma geração. Dado isso, o que vai pesar na escolha do próximo presidente da República é esse eleitor conseguir apontar o futuro, olhar para frente e dizer para o que serve o Estado, para que serve o governo. Foi o que, no limite, definiu a última eleição presidencial.