Até o final de 2019, a China deve trocar de lugar com os Estados Unidos e assumir (ainda que por margem apertada) o posto de maior mercado consumidor do mundo em termos de gastos no varejo. Perto dos 1,5 bilhão de habitantes, o gigante asiático representa uma clientela difícil, mas que é promissora demais para ser ignorada.
A avaliação é de Larissa Wachholz, que trabalha com mercado sino-brasileiro há 10 anos e é sócia da Vallya, boutique de negócios e investimentos que atua fortemente com interlocutores chineses. O alerta feito por ela tem relação com uma reorientação da política econômica chinesa em anos recentes.
"Basicamente o milagre econômico chinês da forma como a gente conheceu foi muito baseado no estímulo à produção para exportação e no estímulo ao investimento. Hoje, a gente vê o consumo tomando a liderança como principal elemento no crescimento econômico chinês: desde 2015 ele fica consistentemente com 60% do PIB; mas, nos anos de 2017 e 2018 chegou a quase 80%", revelou Waccholz, com base em dados da consultoria McKinsey, durante painel na Conferência Anual do Conselho Empresarial Brasil China (CEBC), em São Paulo*.
Soma-se a esse outro dado interessante, que é o volume de consumo. Como termômetro, um estudo da mesma McKinsey analisou 20 produtos manufaturados de diversas indústrias e o que se observou é que a China representa mais do que 20% do total das vendas de 17 dentre 20 daqueles itens em todo o globo. A conclusão é simples: alguém vai vender para essa multidão que quer comprar.
Com o cenário em mente, o Brasil tem, de saída, dois desafios se de fato quiser aproveitar a oportunidade chinesa. O primeiro é mudar de foco e oferecer produtos de maior valor agregado, uma vez que a China já é disparado o principal parceiro comercial do país, mas nossas exportações para lá são 90% commodities - agrícolas, minerais, combustíveis. O segundo desafio será das marcas, que precisarão ir além do despacho do contêiner se quiserem vender para o estrato mais promissor do mercado chinês: a emergente classe média urbana.
Eles são muitos, mas não são alvo fácil
Atualmente, 60% dos chineses vivem nas cidades e, deles, 40% têm renda anual entre US$ 10 mil e 13 mil, mas essa faixa ainda deve crescer consideravelmente num futuro próximo. Segundo Larissa Waccholz, "a projeção é que, por volta de 2025, a população urbana chinesa na classe média passe desses 40% para 75%, implementando muito rapidamente o viés de consumo que a gente já percebe".
Com tanto potencial, parece óbvia a vontade de entrar nesse mercado, mas, assim como diz a velha máxima sobre o Brasil, a China também "não é para principiantes" e é preciso estratégia para a inserção. "O Brasil é um late comer no mercado chinês, então as cidades que já estão tomadas pela competição internacional talvez não sejam o melhor tipo de estratégia", pondera Igor Celeste, gerente de inteligência de mercado da Diretoria de Negócios da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, também durante o evento da CEBC.
Segundo o representante da Apex, "existem oportunidades em cidades médias, que crescem hoje a dois dígitos, fora das regiões mais conhecidas. No interior da China isso se destaca com muita força. Os colegas [da agência, que estiveram no país em missão] ficaram muito impressionados com o crescimento das cidades e com a receptividade, porque você tem menos concorrência em comparação", conclui, ao indicar a opção por ambientes menos saturados do que a costa leste, onde se destacam Xangai e Pequim.
Outra ressalva feita é que custa dinheiro ganhar dinheiro na China. Para efeito de exemplo, a Coca-Cola, que já tem 275 marcas de bebidas no país, pretende injetar US$ 13 bilhões só em pesquisa e desenvolvimento nos próximos anos, para produzir exatamente o que aquele mercado quer comprar. Como bem resume Celeste "o desafio ali é engajar e [o empresário] vai ter que investir para vender”.
Experiência importa
Como demonstram as etiquetas e inscrições de Made in China espalhadas pelo mundo, a indústria local produz de um tudo, mas a simples oferta não basta para garantir opção de compra. Exigente, o consumidor chinês de classe média gosta de diferenciação e exclusividade, preza por uma boa relação entre preço e qualidade e se preocupa com a segurança alimentar, apenas para citar algumas das características que podem ser muito bem exploradas pelo Brasil.
"Uma pessoa da classe média chinesa que pensa no Brasil, além de pensar em futebol, ela pensa em céu azul, água limpa, ar despoluído. É um instrumento de venda de muito impacto para esse consumidor", afirma Larissa Wachholz, ao pontuar oportunidade que as marcas brasileiras têm para vender estilo de vida. "É uma forma de conversar com o consumidor que é muito diferente e que privilegia produtos exclusivos o que, de novo, pode ser interessante por que o Brasil tem uma imagem de país cool no exterior", completa.
Em sentido similar, o gerente da Apex aponta como uma boa perspectiva de médio e longo prazo "o fato de que a nossa imagem ainda não está construída junto ao consumidor chinês e existem oportunidades para que se desenvolva uma imagem positiva nesse mercado que é tão estratégico e explorar mais o B2C". Nessa lógica cabem os mais diversos segmentos, de produtos naturais e de alimentação saudável passando por vestuário, calçados, cosméticos até cinema, tecnologia, turismo.
Esse último é apontado ainda como impulsionador do consumo, não só enquanto o viajante chinês está de folga, mas também na volta para casa. "A China mandou no ano passado 150 milhões de turistas para o exterior e é nessas viagens que eles identificam as marcas que depois eles passam a querer comprar. Se a gente não consegue atrair mais turistas é difícil só com gastos em marketing conseguir colocar os nossos produtos com sucesso no mercado chinês, porque essas viagens tem sido um grande instrumento de propaganda", destaca Wachholz.
*A jornalista viajou a convite da Siemens, patrocinadora do evento.
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