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O Conselho Monetário Nacional (CMN) realiza nesta quinta-feira (16), a partir das 15 horas, sua primeira reunião desde o início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O encontro ocorre em meio a um embate do presidente contra a política de juros do Banco Central (BC) e as metas de inflação.
Na terça-feira (14), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a possibilidade de rever a meta não está na pauta do encontro. Além de Haddad, compõem o CMN a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, que defende a manutenção dos alvos estabelecidos.
Um dia antes, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Campos Neto negou ter concordado com a flexibilização do sistema de metas em conversa com o governo, como chegaram a anunciar alguns veículos de imprensa.
“Se mudar a meta, vai ter o efeito contrário. O mercado vai pedir um prêmio de risco maior ainda”, disse o presidente do BC. “Em vez de ganhar flexibilidade, vai acabar perdendo flexibilidade. Não existe ganho de credibilidade aumentando a meta.”
A fala é corroborada por Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú. “O mais garantido quando você sobe a meta é subir a inflação. O que vai acontecer com os juros é muito mais incerto. Como analista, se [o CMN] sobe a meta, eu subo a projeção de inflação”, disse Mesquita em conversa com jornalistas na semana passada.
Campos Neto admitiu, no entanto, que a responsabilidade pela definição é do governo, que conta com dois votos de três no CMN. “A gente pode contribuir tecnicamente dando sugestões, mas quem define a meta é o governo”, disse.
O assunto ainda pode ser incluído na reunião de forma extraordinária pelo próprio ministro da Fazenda, que preside o colegiado, mas há indicações de que a discussão deve ficar para depois da apresentação da proposta de uma nova âncora fiscal, que substituirá a regra do teto de gastos.
Nesta quarta (15), em evento promovido pelo BTG Pactual, Haddad afirmou que o novo arcabouço fiscal será anunciado no mês que vem, antecipando a programação anterior, que previa o encaminhamento da proposta ao Congresso em abril. Depois do encontro desta quinta, a próxima reunião do CMN está marcada para o dia 30 de março.
A previsibilidade em relação à política fiscal é apontada por economistas do mercado financeiro como essencial para uma ancoragem das expectativas de inflação para o ano. “É preciso definir [uma nova meta] com bases técnicas”, diz o economista Sílvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, que não acredita em mudanças na reunião desta quinta.
Os objetivos a serem perseguidos pelo BC são definidos com uma antecedência de três exercícios pelo CMN – em junho, está prevista uma reunião para o estabelecimento do alvo para 2026. Mas, desde que haja autorização do presidente da República, metas já estabelecidas podem ser revistas, o que já ocorreu no passado.
O alvo para ano é uma inflação de 3,25%, com uma tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, ou seja, no intervalo de 1,75% a 4,75%.
O serviço de notícias Broadcast apurou que Lula quer um aumento de um ponto porcentual na meta de inflação de 2023, o que levaria o alvo para 4,25% e a banda máxima para 5,75%, muito próximo à taxa acumulada em 12 meses – o IPCA de 2022, por exemplo, ficou em 5,79%.
O ponto médio das expectativas de inflação para este ano está nos mesmos 5,79%, de acordo com o relatório Focus divulgado na segunda-feira (13). A mediana de projeções, no entanto, vem subindo há nove semanas consecutivas.
Com a revisão, segundo afirmaram técnicos do Ministério da Fazenda ao serviço de notícias, o BC poderia reduzir a taxa básica de juros para um patamar próximo de 12% até o fim do ano, com um ciclo de cortes de 0,25 e 0,5 ponto porcentual. Os juros são o principal instrumento do BC para perseguição da meta de inflação, mas a alta da Selic, por dificultar o acesso a crédito e ao consumo, desacelera o crescimento da economia.
Revisão da meta sem política fiscal rigorosa e previsível pode ser "tiro no pé"
Para especialistas, no entanto, uma revisão da meta de inflação sem uma política fiscal rigorosa e previsível poderia resultar em um círculo vicioso de alta de preços – dificultando, portanto, a queda dos juros.
“Enxergando o BC mais tolerante com inflação alta, a gente vive a chamada profecia autorrealizável: os agentes econômicos, do dia a dia, prevendo uma inflação mais alta, usam esses dados para reajustar seus preços e salários hoje, o que acaba contaminando os preços e gerando mais pressão inflacionária”, explicou Tatiana Nogueira, economista sênior da XP Investimentos, à Gazeta do Povo.
Slívio Campos Neto, da Tendências, avalia a possibilidade de elevação da meta com preocupação. “Seria o mesmo que dar um tiro no pé”, diz. "Conviver com patamares mais elevados de inflação significaria aceitar uma pressão maior no câmbio e juros de mercado mais elevados.”
Segundo ele, o aumento do custo de capital para pessoas e empresas afetaria ainda a dinâmica da dívida pública, que em dezembro fechou em 73,5% do PIB, nível mais baixo desde novembro de 2017, segundo o BC.
Outro impacto viria sobre o crescimento, já que decisões de consumo, por parte das famílias, e de investimento, por parte das empresas, seriam impactadas negativamente. “Também contribuiria para a desancoragem das expectativas de inflação, afetaria a precificação dos ativos e aumentaria o risco-país”, afirma o economista.
Mesmo no mercado financeiro, no entanto, há vozes dissonantes. O sócio-fundador e CIO da SPX Capital, Rogério Xavier, por exemplo, defende que o CMN revise o quanto antes as metas de inflação para um patamar “crível”.
“É hora de o conselho se reunir e reavaliar os objetivos colocados ao BC. O ideal é que o CMN não espere até junho para alterar a meta de inflação; essa mudança deveria ser feita logo”, escreveu em uma carta para investidores do fundo SPX Nimitz.
Ele lembra que quando as metas de inflação de 2023 e de 2024 foram estabelecidas, não havia no horizonte a perspectiva de uma pandemia e uma guerra e, consequentemente, de problemas nas cadeias de suprimentos e da crise dos chips.
“Todos esses choques de oferta e demanda foram muito intensos e de duração prolongada. O próprio regime fiscal foi completamente alterado nos últimos três anos”, afirmou Xavier no texto.
“Não podemos ter um Banco Central fazendo política monetária mirando uma meta que as pessoas sabem que será alterada. Quanto mais tempo o governo demorar para definir as novas metas, mais difícil será para ancorar as expectativas em torno desse novo valor”, acrescentou.
Independentemente da decisão que o CMN vá tomar em relação às metas de inflação, Mario Mesquita, do Itaú, concorda que o ideal é que ela seja anunciada logo. “Enquanto não decide, a cada semana que passa, aumenta a projeção de inflação. Quanto mais tempo sem anúncio, maior a chance de as expectativas subirem.”
Colaboraram Fernando Jasper e Vandré Kramer