São Paulo - As fronteiras entre cidadãos, governos e empresas estão prestes a cair. A era em que governantes e marcas famosas empurravam o que queriam e escondiam o que também queriam chega ao fim. Da mesma forma em que, na internet, qualquer banda pode concorrer cada vez mais de igual para igual com artistas de grandes gravadoras, a voz de pessoas comuns interligadas em rede coloca instituições antes inatingíveis no mesmo patamar de qualquer um. Com informações correndo livremente, fica fácil acompanhar os passos dos poderosos, sejam eles eleitos ou magnatas do mercado. E, a partir daí, participar das suas decisões.
A teoria é do jovem cineasta Ivo Gormley. Ele nasceu e mora em Londres e tem apenas 27 anos. Há dois meses, ofereceu de graça na rede um documentário sobre como as pessoas podem e devem influenciar as decisões de instituições públicas e privadas e como estas devem ouvir os internautas, sob risco de sumirem do mapa. O documentário seu primeiro longa metragem foi rodado em 2008, antes da eleição de Barack Obama, ou seja, se antecipando à consolidação da tendência mundial de se discutir a presença dos governos na internet, que já levou até o presidente Lula a anunciar para breve o lançamento de um blog.
Confiança
O documentário tem o sugestivo nome de "Us Now" (em português, "Nós Agora"), e está disponível no site www.usnowfilm com. A justificativa de Gormley para essa mudança nas relações entre cidadãos e instituições é que, na era da internet, onde cada vez mais as pessoas publicam informações sobre si, as relações virtuais baseiam-se em índices de confiabilidade, os quais são medidos em sites como o Ebay, por exemplo, em que o vendedor é julgado pelo comprador. Quanto mais avaliações positivas o primeiro tiver, maior a sua reputação. E isso, como Gormley mostra em entrevistas e casos interessantes, também migra para o mundo real.
"Pela internet, as pessoas podem acompanhar as vidas umas das outras. Está se tornando difícil esconder se você é uma pessoa má, pois tudo o que você fizer virá à tona, seja por você mesmo ou pelos outros", disse. "Com governo e empresas é a mesma coisa. As informações estão na rede. Se houver corrupção, tentativa de enganar, os cidadãos irão saber. Se antes empresas, por exemplo, conseguiam controlar o que saía sobre elas, hoje não podem mais. Se for ruim, as pessoas vão começar a publicar isso."
Embora essas possibilidades estejam cada vez mais evidentes, Gormley diz que elas ainda não estão em prática como deveriam. Ele, inclusive, afirma que a democracia não funciona como deveria. "As possibilidades da internet ainda são ignoradas", constata.
Mesmo assim, Gormley acredita numa pressão da sociedade. Ainda que estejamos numa época em que as pessoas não sejam muito engajadas politicamente, já há sinais de que isso está mudando. As últimas manifestações no Irã neste ano, por exemplo, em que internautas se mostraram contrários ao presidente eleito, são sinais de que "a internet é um grande entrave à ditadura". Manifestações contra leis que querem punir com a perda da internet quem baixa conteúdo ilegal, como a França queria instituir, também mostram a força dessa mobilização, diz. "Ninguém consegue calar a internet. As pessoas acham uma forma."
Nova estrutura
Para o cineasta, as pessoas hoje se interessam, sim, por política. Só não querem saber da estrutura velha, de partidos. "As pessoas acham que os partidos estão muito distantes. Mas se importam com coisas que afetam diretamente a elas, como melhorias num parque", diz. No documentário, há casos como o de uma cidade em que os investimentos públicos são discutidos com os cidadãos na praça da cidade. E há um time de futebol em que os torcedores, pela web, escolhem a escalação nos jogos. "Acredito que, como têm voz e acesso à informação, as pessoas irão começar a questionar as prioridades dos governos e instituições, começar a fiscalizar, ver os erros deles. E exigirão participação."
O filme de Ivo Gormley é um alerta a isso. Foi por essa questão, por tratar justamente de compartilhamento, que foi disponibilizado gratuitamente.