O colapso do Sillicon Valley Bank (SVB), o 16.° maior banco em ativos nos Estados Unidos e especializado no atendimento a startups, e de outros bancos de menor porte – o regional NY Signature e o Silvergate, especializado em criptoativos – podem fazer com que o Fed (o banco central norte-americano) reduza o ritmo de alta nos juros na maior economia global.
Se confirmada, essa contenção do aperto monetário nos EUA teria reflexos positivos aqui no Brasil. Com uma desaceleração na alta dos juros nos EUA, cresce a chance de que o Banco Central brasileiro antecipe o início da queda da Selic, nossa taxa básica de juros. Hoje ela está em 13,75% ao ano, o maior patamar em seis anos.
Mas, a depender de sua extensão, o cenário de quebra de bancos na maior economia do mundo também pode ter efeitos negativos.
Um movimento de aversão ao risco levaria mais investidores a aplicar em dólar, o que encareceria a moeda norte-americana. E as incertezas podem levar à redução de investimentos e consumo no mundo todo, prejudicando também a atividade econômica no Brasil (leia mais abaixo).
Cresce a chance de queda dos juros no Brasil
A percepção de que o BC pode começar a baixar a Selic antes do esperado motivou queda significativa dos juros futuros no mercado brasileiro na segunda-feira (13).
“O Fed, reduzindo o ritmo de alta por lá, abre espaço para que o Copom inicie o ciclo de queda por aqui”, diz o analista João Vitor Freitas, da Toro Investimentos.
Segundo a última edição do boletim Focus, de segunda-feira, o ponto médio das expectativas de economistas para a Selic ao fim deste ano estava em 12,75%, com possibilidades de cortes nas últimas duas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), marcadas para novembro e dezembro.
Com a perspectiva de um aperto monetário menor nos EUA, alguns bancos e consultorias brasileiras começam a rever seus cenários. Mais pessimista que a mediana do mercado, o Banco Fibra esperava até dias atrás que a Selic continuasse em 13,75% o ano todo. Mas agora espera que o Copom comece a reduzir a taxa em junho, fazendo cinco cortes consecutivos de 0,25 ponto percentual, o que levaria a taxa para 12,5% até dezembro.
O espaço para cortes pode ser maior ainda, a depender de como for formatado o novo arcabouço fiscal. Segundo Freitas, com a inflação “mais ou menos” sob controle e dependendo como for formatado o novo arcabouço fiscal, haverá espaço para queda nos juros.
Para a XP Investimentos, o evento nos EUA contribuiu para fortalecer as apostas de que os juros podem ser cortados mais cedo. A consultoria, porém, ressalta que ainda há dúvidas em relação à futura política macroeconômica.
“O Brasil tem ainda riscos implícitos, como a questão fiscal. Somos uma economia emergente e altamente endividada”, diz Charo Alves, especialista da Valor Investimentos.
O cenário nos EUA
A Warren Investimentos vê consequências mais diretas e imediatas a partir do colapso do SVB. A principal delas é sobre o ritmo de aumento dos juros por parte do Fed.
No início da semana passada, o mercado havia revisado suas expectativas para um aumento maior, de 0,5 ponto percentual, na próxima reunião do BC norte-americano, no dia 22. Agora, o mercado passou a projetar um aumento de 0,25 ponto percentual e cortes de juros a partir de julho.
“Essa mudança de expectativas ilustra a dificuldade do Fed em executar um mandato onde a inflação precisa ser combatida, ao mesmo tempo em que o mercado de trabalho deveria estar em condições de pleno emprego (e o sistema bancário estável)”, aponta relatório da Warren.
A inflação continua pressionada nos Estados Unidos. Ela fechou em 6% nos 12 meses encerrados em fevereiro. E o mercado de trabalho se mantém aquecido, o que dificulta o recuo da inflação. Em fevereiro, foram criados 311 mil empregos não agrícolas, bem acima do consenso de mercado, que era de 205 mil.
A XP Investimentos aponta que, se não fosse a turbulência no sistema bancário americano, os dados poderiam forçar uma alta de até meio ponto percentual nos juros americanos. “No entanto, as preocupações com a estabilidade do sistema financeiro provavelmente serão a prioridade, forçando o Fed a adotar uma abordagem mais cautelosa em sua decisão de março”, apontam analistas em relatório.
Segundo o economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles, o grau de incerteza aumentou significativamente, e quando isso acontece é natural que os bancos centrais optem por fazer movimentações menos bruscas, ganhando assim um tempo para adquirir mais informação.
“As medidas regulatórias adotadas até agora devem ser suficientes para conter a crise financeira e, portanto, mantemos a visão de que o Fed deve manter os juros em patamar elevado por bastante tempo. No entanto, caso a crise financeira se acentue, existe sim a possibilidade de o Fed responder com cortes nos juros”, diz Salles.
O economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung, considera que a situação para o Fed é complicada, e que ainda é cedo para compreender a dimensão dos problemas envolvendo o SVB sobre o sistema financeiro americano. “Ao mesmo tempo, a batalha contra a inflação continua e não acreditamos que seja o momento para afrouxar o discurso.”
Os impactos no Brasil
Se por um lado pode colaborar para uma queda antecipada dos juros, por outro o colapso de bancos nos EUA pode prejudicar o Brasil de outras formas.
O banco Fibra avalia que os agentes tendem a comparar o colapso do SVB com empresas varejistas brasileiras que também têm apresentado problemas de balanço por conta do alto nível da taxa de juros.
Salles, do C6 Bank, afirma que esse maior grau de incerteza, causado pelos problemas no sistema financeiro norte-americano, contagia a economia brasileira por dois canais:
- o aumento da aversão ao risco dos investidores faz com que eles passem a buscar ativos mais seguros, como os títulos do Tesouro americano, o que tende a provocar a desvalorização de moedas de países emergentes contra o dólar;
- maior incerteza tende a fazer com que os agentes econômicos posterguem decisões de consumo e investimento, com impacto negativo no crescimento econômico.
Ele também destaca a possibilidade de uma redução do crescimento global. Em janeiro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projetava uma expansão de 2,9% para 2023. “Isto impacta negativamente o preço das commodities. Esses efeitos podem levar a um menor crescimento do Brasil, mas ainda é cedo para falar em magnitudes.”
A Genial Investimentos avalia que a falência do SVB poderá apertar as condições financeiras globais e agravar a restrição da oferta de crédito que se seguiu ao episódio da crise das Americanas. Também poderia influenciar em uma forte restrição à atividade econômica no Brasil.
Analistas da corretora apontam que, caso isto ocorra, pode ocorrer uma desaceleração mais acentuada da taxa de inflação, mesmo com a adoção, pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de uma política fiscal mais expansionista.
“Este aperto nas condições financeiras globais, combinado à expectativa de que o novo arcabouço fiscal seja anunciado na próxima semana, levou boa parte dos investidores a precificar quedas na taxa Selic no segundo semestre de 2023, apesar dos sinais de aceleração dos núcleos da inflação mostrados no IPCA desde o final de 2022”, destaca Eduardo Nishio, head de research da Genial Investimentos.
O analista André Valério, do banco Inter, aponta que o cenário de maior aperto também muda o balanço de riscos da inflação. “O Copom pode indicar na sua próxima reunião que o início do corte de juros pode ser antecipado”, afirma ele.
Segundo ele, o aperto adicional de crédito, que também é observado no cenário local, deve contribuir para uma queda maior do que o esperado na atividade, acelerando o processo de queda na inflação daqui para a frente.
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