Um caminho seguro para reduzir a credibilidade das estatísticas que revelam o equilíbrio fiscal é a utilização de uma multiplicidade de conceitos (dívida líquida, dívida fiscal, dívida bruta, dívida mobiliária) e o abuso da linguagem "orwelliana". Chamar, por exemplo, parte do pagamento dos juros da dívida que é despesa de "superávit primário", dando a impressão que ele pode ser gasto livremente sem conseqüência. De acordo com cada conceito, a aparência do fenômeno fiscal muda e levanta dúvidas nas mentes dos "analistas do mercado". Gostemos ou não, são eles para o bem ou para o mal que acabam formando o "consenso" das profecias sobre a política fiscal. E são estas que estimulam as respostas do "mercado" que podem realizá-las.
O sinal mais claro que a autoridade fiscal pode dar para dirimir esse estado de dúvida é utilizar um indicador universalmente aceito. O indicador mais usado no Mundo é a relação dívida Bruta do Setor Público/PIB. O Brasil é uma das poucas exceções que utiliza como indicador a relação Dívida Líquida do Setor Público/PIB. Esses indicadores evoluíram diferentemente nos últimos anos: a Dívida Bruta/PIB tem crescido 7,4% ao ano, enquanto a Dívida Líquida/PIB revela um crescimento de 5,2%. Em 2002/03 andamos muito próximos de uma "crise fiscal", quando a relação Dívida Líquida/PIB aproximou-se de 56%, que é o número que leva o "mercado" a forte taquicardia.
O conceito de dívida Bruta/PIB pode esconder fatos de maior relevância para se julgar a "qualidade" do indicador. Por exemplo, o seu acréscimo de 2004 (71,9 do PIB) para 2005 (74,9% do PIB) foi produzido pelo aumento da dívida federal (3,3%) compensada por uma diminuição de 0,3% das dívidas estaduais e a estabilidade das municipais. Talvez mais grave do que isso é que o superávit primário de 2005 (4,84% do PIB, contra 4,59% em 2004) foi obtido com uma redução do esforço fiscal da União e dos estados, à custa de um aumento importante do esforço municipal e, principalmente, das empresas estatais.
O "mercado", portanto, tem lá razões para suas dúvidas. Maior ainda é a razão da área econômica do governo de insistir no superávit primário de 4,25% do PIB para 2006 e os próximos anos. Sem eles (e um "choque de gestão") a tendência histórica das despesas do governo nos levará, de novo, a uma provável crise fiscal no final do próximo mandato presidencial.
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