A física construiu a palavra "histerese" para designar o fenômeno exibido por sistemas cujo estado presente depende de sua história antecedente. Os economistas inventaram a expressão "path dependency" que se acomoda muito mal na tradução para o português, mas que corresponde à mesma idéia. O processo de desenvolvimento econômico tem, pelo menos, duas características muito importantes: 1.ª) possui histerese: seu curso depende, fundamentalmente, do que se fez no passado. A direção pode ser corrigida pela ação contemporânea, mas o que foi feito não pode ser não-feito, de forma que é inútil lamentar as oportunidades perdidas e 2.ª) possui a diabólica capacidade de, ao resolver um problema, criar pelo menos dois outros. Trata-se de um mecanismo de gestação de novos problemas que desafiam e põem à prova, à cada momento, a qualidade de antecipação e de sua solução pela boa governança pública e privada.
É ilusão, portanto, pensar em "equilíbrio". Os desequilíbrios e os problemas são a forma natural que assumem os obstáculos que se opõem ao uso eficiente dos fatores de produção (trabalho e capital). O desenvolvimento econômico é apenas o outro nome para um persistente aumento da produtividade do trabalho. Mas não é qualquer aumento da produtividade. Ele é condicionado a dois outros valores: 1) uma razoável distribuição dos seus benefícios, o que implica em políticas públicas que aumentem de forma persistente a igualdade de oportunidade para todos e 2) seja compatível com a plena liberdade individual. Esses valores, altamente desejados por todas as sociedades modernas, não são inteiramente compatíveis entre si.
Sua conciliação, sempre imperfeita, exige um Estado constitucionalmente forte, dirigido por períodos fixos bem determinados por governos escolhidos diretamente pelo sufrágio universal, em processos eleitorais competitivos. Trata-se de uma ordem política que exige dos governos competência e paciência para acomodar as contradições naturais abrigadas naqueles objetivos, sem manifestar comportamentos idiossincráticos. O Estado e os objetivos são permanentes. Os governos são passageiros, não são proprietários do Estado. Por isso é sua obrigação cumpri-los com competência e honestidade. O Estado, que é permanente, não tem problemas. Os problemas são dos governos eleitos para resolvê-los e, no processo, criar novos desequilíbrios, que serão resolvidos por seus sucessores... Quanto mais problemas e mais competência para resolvê-los, tanto mais rápido o desenvolvimento com qualidade.
Antonio Delfim Netto é economista.