Um dos privilégios da velhice é poder olhar serenamente para o comportamento atual de alguns intelectuais que juravam ser a "vanguarda do proletariado". Acreditavam, oportunisticamente, na idéia que "o mundo marchava para o socialismo". Na minha avaliação, o Brasil teve (e ainda tem) sérios pensadores marxistas que extraíram as conseqüências não apenas da imensa perspicácia do filósofo-economista sobre a essência do sistema capitalista no "O Capital", mas da antropologia profunda dos "Manuscritos". Teve, também, pelo menos um (que aliás foi fundador do PT) que já nos anos 20 antecipou a tentação totalitária implícita na concepção da "ditadura do proletariado".
A grande maioria dos que se autodenominavam "progressistas" eram apenas gigolôs do que imaginavam ser o "marxismo", tornado a fantasia elegante dos parisienses, enquanto os italianos (que eles ignoravam) já construíam a crítica de Marx por Marx... Hoje nos espanta e diverte recordar pressurosos intelectuais brasileiros correndo atrás do "esquerdista" Sartre, cuja obra literária e filosófica luta contra sua crença que "o marxismo era a filosofia insuperável do nosso tempo" e a quem, o próprio tempo, tem tratado cada vez mais duramente. Diziam que em 1960 o Mundo conhecia três franceses: de Gaulle, Sartre e Bardot. Hoje, 45 anos depois, Sartre é considerado a 96.ª personalidade entre 100 eminentes pensadores franceses...
O que há de mais extraordinário neste momento, entretanto, é que boa parte dos gigolôs oportunistas estão inconformados! Espumam o mais completo desencanto com o que aconteceu no Brasil. Sugerem que o proletariado libertador, que supunham liderar, vendeu o seu voto por uma bolsa-família... A sua tristeza e revolta moral contra a perigosa mistura (já intuída por Mosca e Michels no século passado) de sindicato com política é plenamente justificada: esta parece ter mesmo uma propensão insanável à corrupção. Mas este é um caso de polícia que termina na Justiça. Tudo deve ser cuidadosamente apurado e os provados culpados, condenados. O sucesso nas urnas não pode levar a ignorar ou eliminar o natural processo legal, como tem insistido, aliás, o presidente.
O que não se explica é o contágio de rabdovirus que parece tê-los atingido. Com suprema raiva e pobre lógica, atacam a dignidade e a inteligência da maioria. Não concedem a menor probabilidade de ser verdadeira a hipótese que o cidadão pode ter motivos mais nobres para escolher seus candidatos. Talvez a miopia dos ex-quase intelectuais continue impedindo-os de vê-los.
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