A forma como a reforma da Previdência está sendo negociada é um resumo do Brasil. Tem quebra-quebra, servidor público emparedando congressista, gente cuspindo no Congresso, acertos por baixo dos panos e benefícios escusos. Governar parece ser sinônimo de colocar o pé na lama.
Fazer reformas é questão de sobrevivência. O resultado das votações dos próximos meses vai dizer muito sobre o Brasil que virá daqui para a frente. E a pressão de grupos de influência está fazendo com que o futuro possa ficar muito parecido com o passado.
A invasão vergonhosa do Congresso por agentes penitenciários foi o ato mais violento da última semana. Tentaram ganhar no grito – e quase levaram – uma aposentadoria especial. Seguiam o que fizeram os policiais federais e legislativos (e civis, que devem por inércia dos estados cair nas mesmas regras) na semana anterior. A cena de um policial legislativo colocando o relator da reforma Arthur Mais contra a parede, narrada pela imprensa, mostra como foi o diálogo.
O funcionalismo federal está pressionando como pode por mudanças no texto. A apresentação do relatório na última quarta-feira atrasou porque o relator estava reunido com servidores. Não chegaram a um acordo e ele disse que a questão ficaria para o plenário decidir. A pressão vai continuar, sem dúvida. Funcionários contratados pela União antes de 2003 estão contrariados com a criação de uma idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres obterem a sonhada aposentadoria integral e paritária, ou seja, igual ao salário de quem está na ativa. Um benefício claramente injusto se for concedido nas mesmas condições da regra de transição criada para quem está na iniciativa privada (para quem a idade mínima será menor no início, mas com o benefício calculado a partir da média de todas as contribuições, limitado ao teto do INSS).
De forma silenciosa, uma negociação entre grupos de pressão e congressistas distorceu a medida provisória que criava um novo programa de refinanciamento de dívidas que tinha como objetivo dar fôlego financeiro a empresas com créditos tributários. O prazo de pagamento dobrou para 20 anos e foram criados descontos que tornam o pagamento uma barbada. Que tal parcelar dívidas com 85% de desconto nas penalidades e 95% do saldo parcelado em 150 vezes? Aprovada a questão em comissão, o novo texto virou moeda de troca. Se o governo não mexer, conseguirá mais votos.
A bancada ruralista também se mexeu para aproveitar o balcão de negócios. Eles pleiteiam o perdão de uma dívida de R$ 15 bilhões de produtores com o Funrural. O governo acena com uma espécie de Refis, com um descontão nas multas e 15 anos para pagar. Com outras medidas provisórias em tramitação, é possível que apareçam outros pleitos que depois virarão moeda de troca por votos.
Este é o retrato do Brasil que começa a sair de sua pior recessão sem ter aprendido a lição: corporativista, violento e ineficiente.