Uma pesquisa rara divulgada pelo IBGE na semana passada serve como um chamado para que o país comece a construir uma agenda pós-ajuste fiscal. Os dados mostram que, embora haja mobilidade social no Brasil, ela está bastante condicionada a fatores como renda e escolaridade dos pais.
A desigualdade brasileira, mesmo com queda registrada na década entre 2004 e 2014, está entre as mais altas do mundo. É resultado de uma combinação complexa de fatores – a economia pouco competitiva, educação sofrível, corrupção, entre outros.
O mercado de trabalho favorável até 2014, com criação de empregos que exigiam baixa qualificação e a correção do salário mínimo acima da inflação (que elevou a renda dois mais pobres e da maioria dos aposentados) foram os fenômenos preponderantes para que o índice de desigualdade no Brasil caísse quase 20% em uma década.
A mobilidade social, permitida pelo acesso à educação e empregos mais qualificados de uma geração para a outra, também fez uma parte do trabalho. Mas esse é um fenômeno limitado, assim como a melhora no mercado de trabalho não foi sustentável. O IBGE revelou que o filho de uma pessoa sem instrução tinha 41% de chance de ter sua renda limitada a um salário mínimo. O índice é de 4% para filhos de pessoas com ensino superior – para quem há uma chance de 47% de a renda ser acima de cinco salários mínimos.
Essa diferença está muito ligada ao resultado educacional das crianças. Somente 4% dos filhos de pessoas sem instrução chegaram ao ensino superior, percentual que chega a 69% entre filhos de pessoas com ensino superior.
A mobilidade educacional se concentra em faixas intermediárias do ensino. Entre filhos de pessoas sem instrução, 42% ficam com o fundamental incompleto. Para filhos de pessoas com o fundamental incompleto, a chance maior, para 49% deles, é ficar entre o fundamental e o médio completos. E entre os filhos de pessoas com fundamental completo, 40% conseguem terminar o ensino médio, enquanto 26,8% completam o ensino superior –e, para esses últimos, o mercado de trabalho reserva uma renda menor do que para filhos de pessoas com ensino superior.
O Brasil precisa construir uma agenda com foco no resultado e não apenas na universalização do ensino. E, para isso, precisa pensar estratégias para vencer as barreiras construídas pela própria desigualdade. Os ganhos produzidos pelo mercado de trabalho e pela alta do salário mínimo podem não se repetir nos próximos anos e o Brasil corre o risco de cair em mais um período de estagnação na desigualdade. A alternativa é o ganho de produtividade permitido pelo maior sucesso educacional.
Que fique claro, a desigualdade não é um mal maior do que o ideal de igualdade absoluta. Mas ela precisa estar em um nível no qual não desagregue o tecido social, não seja um estímulo à violência, corrupção e, ao mesmo tempo, um desestímulo ao empreendedorismo. A redução da desigualdade no Brasil a partir de agora dependerá muito do que as pessoas serão capazes de fazer com suas habilidades e não de como o governo redistribuirá a riqueza.