A economia global continua um risco que não está bem calculado no comportamento dos mercados nos últimos meses. Mesmo com o Brexit, a eleição de Donald Trump e, agora, a sinalização de descontentamento dos italianos com a União Europeia, o ajuste nos mercados foi leve.
Conhecendo-se a capacidade dos mercados de preverem grandes choques, o Banco Central tratou o assunto com extremo cuidado na decisão sobre os juros há duas semanas. O cenário é de incerteza elevada, na visão da autoridade monetária, com possibilidade de grandes oscilações de uma hora para a outra. Inclusive positivas, segundo a tese sobre o novo potencial de crescimento dos EUA sob Trump.
Olhados de forma isolada, os problemas nos EUA, Europa e China são contornáveis. O mais agudo deles é a ameaça à continuidade da zona do euro com uma possível saída brusca da Itália. Como o choque na moeda única teria consequências difíceis de estimar, é muito provável que as autoridades italianas encontrem um caminho para salvar seus bancos e fazer reformas que aumentem a produtividade do país. O referendo do último fim de semana, se desse a vitória ao primeiro-ministro Matteo Renzi, seria um atalho nessa direção.
Em seguida, a possibilidade de um estouro da bolha imobiliária chinesa aparece como um risco difícil de estimar e com consequências quase tão graves quanto o fim do euro. A diferença aqui é que a política chinesa não depende de referendos para dar suporte aos bancos entulhados de créditos duvidosos. Por isso, a maioria dos analistas acredita que é possível desinflar a bolha nos próximos anos.
No início do ano que vem, o Reino Unido terá de dizer finalmente que tipo de acordo vai querer com a União Europeia. Aqui, também há uma leitura geral de que, no fim, a saída não será tão dolorosa – apesar de não haver sinal de concessões vindas de Bruxelas que permitissem o acesso ao mercado europeu sem contrapartidas na questão do fluxo de pessoas. De qualquer forma, os efeitos do que se chama “saída dura” da UE, com um acordo comercial limitado, tendem a ser sentidos mais dentro da ilha do que em outros países.
Donald Trump está formando um governo que deve entregar sua principal promessa econômica: cortes de impostos para os mais ricos e um pacote estimado em US$ 1 trilhão para estimular a economia. Tirando a chance pouco desprezível de um tropeço feio nas relações exteriores, esse coração da política de Trump é analisado como o caminho para o crescimento do país se acelerar no curto prazo. Com isso, veríamos nos próximos dois ou três anos um aumento de demanda na maior economia do mundo, nada mal em uma fase em que o comércio global está desacelerando. Os efeitos colaterais, déficit público maior e juros mais altos, ficarão para o próximo governo. E mesmo isso não é um grande entrave em um mundo de juros próximos a zero. O problema está em o pacote ter efeito pequeno e Trump forçar uma guerra comercial justificada pela falta de empregos na indústria.
Olhado assim, o cenário internacional está mesmo em um “interregno benigno”, como diz o BC, e cheio de incertezas. Por isso, fica difícil de entender a decisão de cortar apenas levemente os juros, em 0,25 ponto percentual. Em um momento de inflação declinante e economia ainda sufocada, a janela para acelerar a redução dos juros já estava aberta.
E o BC reconhece isso, dando a entender que vai fazer seu trabalho em janeiro. O mercado também entende que a hora chegou e muita gente já enxerga que a redução da taxa básica será de 0,75 ponto percentual.
Agora, o governo precisa aumentar as certezas internas. A aprovação da PEC do teto de gastos, esperada para esta semana, combinada com a tramitação ordenada da reforma da Previdência, aumenta a previsibilidade sobre as contas públicas. Na sequência, será a hora de dar mais segurança jurídica para quem faz negócios no Brasil.