Foi uma coincidência interessante o fato de a decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre os subsídios brasileiros ter ocorrido na mesma semana da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. Se fizesse um estágio aqui antes de assumir, ele mandaria a OMC bater em outra porta.
Os dois fatos parecem sem relação, mas não são. A OMC é uma construção da ordem econômica do pós-guerra liderada pelos Estados Unidos. Começou como um acordo de redução de tarifas e cresceu a ponto de se tornar um órgão multilateral global que avalia as políticas comerciais de seus membros. Brasil e Estados Unidos fazem parte desse sistema e o usam de tempos em tempos para questionar políticas de concorrentes e são também questionados.
O valor do multilateralismo, da abertura econômica e de circulação de pessoas e ideias está em criar regras que tornem a competição mais justa em escala global e permitir acesso maior a mercadorias, soluções e empregos.
O Brasil, como mostra a decisão da OMC, aplicou algumas ideias de Trump nos últimos anos. Mesmo sem abandonar as instituições internacionais, o país não quis se abrir. Não fez negociação internacional importante e decidiu estimular a indústria com benefícios que desequilibraram o jogo em favor de quem produzia aqui.
Curiosamente, o setor mais beneficiado foi a indústria automotiva. O resultado foi a criação de um parque fabril muito maior do que o mercado interno e totalmente incapaz de concorrer no mercado internacional. Outro setor alvo de políticas de proteção foi o de óleo e gás – o mesmo que deu origem ao maior escândalo de corrupção da história do país.
O Brasil também tentou elevar investimentos com estímulos fiscais, como quer Trump. Não funcionou. Todas as políticas de cortes de impostos custaram caro e o déficit público cresceu a ponto de detonar a pior recessão da história. E o Brasil é um dos países mais fechados à imigração, embora o tema não cause aqui antipatia entre o eleitorado.
A comparação entre as ideias de Trump e a realidade do Brasil, claro, é imperfeita. Serve apenas para mostrar que o discurso que o elegeu não é novo. Volta e meia aparece como a solução para o descontentamento popular com o andar da economia. Mas em linhas gerais é um modo perigoso de conduzir os negócios de um país.
Muita gente no mercado não quer olhar para esses efeitos de longo prazo. A promessa de gastos maiores com infraestrutura, desregulação e menor controle sobre as grandes corporações, a parte pró-mercado do projeto de Trump, foi suficiente para convencer que haverá um novo fôlego para o crescimento dos Estados Unidos.
Pode até acontecer, mas precisamos olhar para além do PIB. O funcionamento de uma economia capitalista depende de boas regras, competição, contenção da concentração de poder econômico e uma população com capacidade de empreender e crescer. As falas de Trump não trazem nada disso e, por isso, há muita gente na torcida para que, como presidente, não faça o que disse como candidato. Talvez uma passagem pelo Brasil ajudasse na missão de conter seus impulsos.
Em alta
A vitória de Donald Trump nos EUA confirma a tendência de elevação do protecionismo no comércio. Suas primeiras medidas devem incluir a renegociação de tratados.
Em baixa
O IPCA de outubro mostrou que até os preços de serviços, maior preocupação entre analistas, começaram a ceder. A inflação em 12 meses caiu abaixo de 8% pela primeira vez em um ano.
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