A minha aula vale por duas! Era a frase humorística do professor Laertes Munhoz, penalista catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, penalista internacional, político imbatível, o maior orador do Paraná, nada atento ao calendário, faltava vez por outra. Mas suas aulas tinham sabor. Passaram-se 60 longos anos! Uma vida. Nossa vida.
Éramos quase 300 – 200 aprovados por vestibular. Mais 100, com notas suficientes e vagas insuficientes, que ingressaram via concessão de mandado de segurança. Depois, dezenas desistiram no caminho. Início de 1951 e início de jornada, de formação de coleguismos, de rusgas logo esquecidas entre os aficionados dos dois partidos de política estudantil – PAP e PAR –, com o Alir Ratacheski candidato pela oposição. Estudantadas não faltaram. Ainda bem, pois tínhamos de percorrer os dois lados de todas as questões de um país sempre intranquilo.
Os firmes ensinamentos e as rígidas posturas das provas forjaram-nos para as profissões, escolhidas no vasto leque aberto pelo currículo universitário, sustentadas pelos fundamentos do Direito. Ah, as provas! Desde o vestibular até o recebimento do grau de bacharel, nada de quadrinhos de xis, de adivinhação, de testes. Tudo escrito, dissertações, respostas pormenorizadas sobre temas e questões, mencionados textos de leis. Oralmente, só se ocorresse a hipótese de ficar para “a final” ou “segunda época”.
Após 60 anos, temos orgulho de nossa Turma
Aulas a manhã inteira, verão ou inverno, salas geladas, luvas, códigos escorregando das mãos. Ninguém, entretanto, era anjo.
Nas aulas de Direito Comercial, após responder chamada, saíamos acocorados atrás das carteiras, deixando meia dúzia ouvindo o mestre De Plácido e Silva. Bobos, nós que gazeávamos. Pois não é que ficamos reconhecidamente usando seus livros o resto de nossas já longas vidas profissionais? Quem não consulta usa e transcreve pelo menos uma vez por mês uma das lições condensadas – insuperáveis no país – do Vocabulário Jurídico de Plácido e Silva? Éramos universitários privilegiados e não sabíamos...
Penido Monteiro, desembargador, ora durão, ora carinhoso, nos fez engolir o Código Civil por inteiro, acompanhando a turma do segundo ao quinto anos. Quando alguém dizia alguma besteira, lá vinha o sermão iniciado pela amistosa saudação “filho de minha alma”. Aprendemos. Estudamos e discutimos sucessões e obrigações nas escadarias laterais em caracol da universidade, depois demolidas para dar lugar à “fachada-símbolo” de Curitiba, portal para os ipês da Praça Santos Andrade.
Esporadicamente, alguém jogava Batalha Naval com quem topasse nas aulas de Direito Internacional Público, ministradas pelo professor Nelson Luz; ou nas de Ciências das Finanças, do professor João Rocha Loures. Era um cochicho audível: “Efe nove... água! Agá treze... fogo!” Todo mundo em volta se divertindo, sorrindo silenciosamente.
Bons tempos, com sisuda cerimônia no Cine Palácio Avenida para recebimento do canudo, sem a moderna alacridade (aliás, considero-a sadia) que rege as atuais colações universitárias. Paraninfo Renato Valente, que era “uma mãe” como professor. Carlos Alberto Moro, orador nato, com a capacidade de construção de imagens, foi o showman da nossa formatura. Aplaudidíssimo. E lá estávamos para receber os abraços de pais, irmãos, noivas, namoradas, nós que economizáramos noites e pedaços de madrugadas de inverno, aguentados à custa de chá quente com rum e cavaco de queijo, preparando-nos para tentarmos ser aquilo que conseguimos e somos.
Após 60 anos, temos orgulho de nossa Turma, da qual brotaram desembargadores, procuradores da República, do estado e de municípios, presidente do TJ de São Paulo, secretários de Estado, deputados, altos empresários, escrivães titulares de cartórios judiciais, jornalista de escola e quantos outros destaques que as modernas profissões criaram. Pela passagem das bodas de diamante de formatura, recebam a saudação desta coluna.