O contrato não representa mais mero instrumento para circulação de riquezas e atendimento de interesses individuais, mas deverá exercer sua função social, concretizando os valores protegidos pela ordem de Direito, especialmente pela Constituição Federal.

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Ainda que possamos reconhecer a atual vigência do princípio da força obrigatória dos contratos e da autonomia privada, é certo que outros elementos impostos pelo Estado passaram a integrar e ingerir na relação contratual, o que se torna evidente, por exemplo, pela leitura do artigo 421 do Código Civil, pelo qual "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato".

Dentro deste contexto, temos que tanto o Código Civil quanto a legislação esparsa, como o Código de Defesa do Consumidor, albergam em seus textos o princípio da boa-fé objetiva (artigos 422 e 113 do código civil e art. 4.º, III da lei 8078/90), o qual passou a orientar as relações obrigacionais, produzindo e exercendo sobre as mesmas, entre outras, (i) a função de critério de interpretação contratual, (ii) função criadora de deveres obrigacionais laterais e (iii) função limitadora do exercício de direitos subjetivos.

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Pois bem. Temos, pelo exposto, que o princípio da boa-fé objetiva poderá limitar o exercício de direitos que venham a estar assegurados às partes no próprio contrato inicialmente celebrado. E isso será possível porque a boa-fé objetiva impõe às partes o dever de atuarem com probidade e lealdade na consecução do contrato, evitando, assim, o exercício de posturas contraditórias ou abusivas, ainda que estas decorram de um direito previsto no contrato.

Justamente por esta razão, as partes que se relacionam no contrato devem tomar cuidado com comportamentos que venham a externar no decorrer desta relação, na medida em que estes poderão (i) suprimir direitos expressamente estabelecidos ("supressio" – supressão) e/ou (ii) criar direitos não previstos inicialmente no contrato ("surrectio" – modificação).

A supressão (supressio) vem a ser a perda de um direito contratualmente estabelecido em razão do seu não exercício ao longo de determinado período de tempo. Essa supressão depende da inação do titular do direito e da criação de uma legítima expectativa, na outra parte, de que o mesmo não mais será exercido; e é com esta legítima expectativa que devemos tomar cuidado.

Se um fornecedor deixar de exigir de seu contratante o cumprimento de determinada obrigação prevista expressamente no contrato, deverá então fazê-lo de modo a deixar absolutamente claro (documentalmente, se possível) que sua postura decorre de situação excepcional, tomando o cuidado de, por outro lado, não esposar qualquer conduta que, reiterada no tempo, possa dar a entender à outra parte que o cumprimento daquela obrigação nunca mais seria exigido.

Nesta mesma linha, vem a modificação (surrectio), que é a criação de direitos não previstos no contrato se o comportamento das partes for externado em tal sentido. Por exemplo, se o contrato prevê que o pagamento deve ser feito via boleto, mas, no curso do contrato, passam as partes a atuar naturalmente de outra maneira, aceitando forma diversa de pagamento, sem qualquer irresignação de parte à parte, é certo que a modificação estará caracterizada, assegurando ao devedor, assim, o direito de efetuar o pagamento de maneira diversa à que estava prevista inicialmente no contrato, coroando, sobre o texto literal desse último, aquilo que vinha sendo efetivamente praticado pelas partes.

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Vale salientar que a supressão e a modificação são recepcionadas pela jurisprudência pátria em inúmeros julgados, incluindo-se recente aresto do Superior Tribunal de Justiça (Resp. 1096639/DF, rel. ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 09/12/2008, DJe 12/02/2009). Por esta razão, fica o alerta no sentido de que temos que atentar para as condutas que serão externadas no curso da relação obrigacional, na medida em que os comportamentos serão sempre analisados e privilegiados, produzindo efeitos jurídicos muitas vezes contrários àquilo que se previu, inicialmente, no contrato.

(Colaboração, Juliano Siqueira de Oliveira, Esmanhotto & Advogados Associados, escritório associado a G. A. Hauer & Advogados Associados)esmanhotto@esmanhotto.com.br