Ante a inequívoca importância dos empreendimentos empresariais para a economia como fonte geradora de riquezas, sobretudo tributos e empregos, a legislação põe a salvo os bens particulares dos sócios, por dívidas da sociedade, prevendo, porém, sua responsabilidade subsidiária, conforme dispõe o artigo 1.024 do Código Civil. Essa sistemática de responsabilização funda-se na necessidade de proteção ao patrimônio particular do sócio, sob pena de grave desestimulo à abertura de novos empreendimentos.
Não obstante a responsabilidade subsidiária, diversos empresários, ao desempenharem uma atividade econômica, buscam de forma legal e legítima, salvaguardar o seu patrimônio pessoal e, para tanto, tem procurado estruturas jurídicas de preservação patrimonial que lhes permitam restabelecer o que uma simples sociedade limitada deveria permitir-lhe: a proteção dos seus bens pessoais em relação aos passivos da sociedade.
Nesse aspecto, necessário que se tomem as cautelas necessárias acerca da finalidade da referida estruturação, na medida em que a utilização indevida da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para fins de desvio de bens é veementemente rechaçada pela jurisprudência pátria, sob pena de se acobertar sob o manto de tão importante instituto toda sorte de fraudes à terceiros e ilicitudes.
Inúmeras decisões do Superior Tribunal de Justiça reconhecem a possibilidade de utilização da desconsideração inversa da personalidade jurídica e abrem a possibilidade de afastamento da autonomia patrimonial da sociedade com o fito de responsabilizá-la por obrigações contraídas pelo sócio, quando concretizada a fraude do desvio de bens.
No Recurso Especial 948.117, a Ministra Nancy Andrighi declarou em seu voto que a finalidade da desconsideração da personalidade jurídica "é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvaziou seu patrimônio pessoal o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, deu uma interpretação teleológica do art. 50 do Código Civil/2002 ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma".
Inclusive a referida teoria também vem sendo amplamente aplicada na seara do direito de família, a fim de coibir abusos mediante o uso indevido da personalidade jurídica de cônjuge ou companheiro sócio, que se vale da máscara societária para o fim de burlar os direitos de seu par (Resp 1.236.916/STJ).
Contudo, oportuno destacar que resta claramente ressalvado pela referida Corte Superior que ao juiz cabe agir com especial cautela quando da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, sobretudo em sua forma inversa. Tal cuidado deve-se ao fato de que a autonomia patrimonial entre a empresa e a pessoa de seus sócios é importante fator de estimulo à criação de novos empreendimentos.
A característica de excepcionalidade na aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica permite a conclusão de que a autonomia patrimonial é ainda o princípio norteador na responsabilização societária, sendo seu afastamento, exceção, somente permitida quando presente os pressupostos legais autorizadores.
Com efeito, a desconsideração da personalidade jurídica inversa, deverá ser aplicada com cautela, de forma fundamentada, sob pena de destruição do instituto da pessoa jurídica e, consequentemente, dos direitos da pessoa física do sócio, sendo imprescindível, para tanto, restar cabalmente comprovado o intuito fraudulento do sócio ao transferir seu patrimônio pessoal para o da sociedade, com a finalidade de frustrar cumprimento das obrigações e execuções em geral.
(Colaboração: JULIANE ZANCANARO BERTASI, G. A. Hauer & Advogados Associados geroldo@gahauer.com.br)
Nota: Esta coluna semanal antes publicada às segundas feiras passou a ser editada às terças feiras por orientação da Gazeta do Povo.
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