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Cenários de Direito Empresarial

Tribunais rejeitam banalização de “danos morais”

Para que seja devida a indenização de danos morais, deve estar presente o abalo à honra e à dignidade da pessoa. Meros contratempos, dissabores, aborrecimentos, mágoas, irritações, sem humilhação, perigo ou abalo à honra e à dignidade da pessoa, não ensejam efetivamente a indenização por dano moral. Assim os Tribunais têm decidido, seguindo a orientação do Superior Tribunal de Justiça.

Em recente decisão da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, foi confirmada uma sentença que rejeitou o pedido de indenização por dano moral de um consumidor que comprou um veículo zero quilometro e, um ano depois, tomou ciência de que uma pequena parte da porta traseira tinha recebido retoque na pintura, isso em razão de um pequeno risco ocasionado no desembarque da "cegonha". De acordo com o processado, o consumidor sustentou que, no ato da compra, estava convicto de que adquiria um automóvel em perfeitas condições, "mas recebeu um veículo avariado, o que fez com que se sentisse frustrado, enganado e decepcionado".

Em seu recurso contra a decisão que julgou improcedente seu pedido de indenização, o consumidor alegou que a fornecedora "ardilosamente, escondeu do autor que seu veículo havia sido riscado ao desembarcar da ‘cegonha’ e por isso a porta traseira direita tinha sido repintada".

Na decisão que confirmou a falta de razão do consumidor, o desembargador relator Dr. Jorge Luís Costa Beber, chega a transcrever uma ficção "que aborda de forma muito clara a verdadeira massificação das ações envolvendo os chamados danos morais". No trecho citado, pertencente à obra Papai Noel e o Dano Moral, de Carlos Alberto de Oliveira Cruz, após o Natal, o Papai Noel se vê bombardeado de processos de pais de crianças que não viram atendidas as expectativas dos filhos na noite natalina.

Ainda conforme a decisão mencionada, "o direito de todo cidadão acessar o Poder Judiciário se vê atualmente manchado por um incontável número de ações absurdas e ridículas, em que os autores postulam as mais exóticas providências do julgador. Tais demandas mais servem ao anedotário jurídico do que à efetiva satisfação de interesses da sociedade".

Por fim a decisão grifa que os pedidos de reparação por danos morais estão sendo deflagrados num espectro tão amplo quanto a imaginação humana. "Busca-se ressarcimento para tudo, inclusive para casos flagrantemente descabidos, motivados por bizarrias de toda a ordem, verdadeiras extravagâncias jurídicas, indigitando ao instituto o inocultável estigma de indústria."

Merece destaque, por fim, a referência feita pela decisão a um julgamento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul sobre a questão: "O Direito existe para viabilizar a vida, e a vingar a tese generosa do dano moral sempre que houver um contratempo, vai culminar em truncá-la, mercê de uma criação artificiosa... Nessa nave do dano moral em praticamente todas as relações humanas não pretendo embarcar. Vamos atingir os namoros desfeitos, as separações, os atrasos no pagamento. Ou seja, a vida a serviço dos profissionais de Direito".

Verifica-se, assim, que não basta o fato em si do acontecimento. É preciso mais do que isso, sendo imperioso que haja um ilícito com carga suficiente para infligir no ofendido um sofrimento moral intenso e extraordinário, causador de sequelas de induvidosa repercussão, não se amoldando, nesse panorama, simples descontentamentos no âmbito subjetivo da pessoa ou, ainda, nas hipóteses em que a anunciada dor ou desconforto seriam normalmente suportados.

(Colaboração: Marcelo Marques Munhoz, G.A.Hauer & Advogados Associados)e-mail: geroldo@gahauer.com.br

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