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De Olho no Leão

A ponte da discórdia José Alexandre Saraiva

São imensuráveis as responsabilidades do Fisco no combate aos crimes contra o erário e a outros delitos atentatórios aos interesses nacionais. Não obstante isso, verifica-se hoje na cidade de Foz do Iguaçu um descompasso entre o exercício da legalidade e o poder discricionário das autoridades.

A pretexto de combater delitos de contrabando, descaminho e quejandos, os fiscais não conseguem separar o joio do trigo. Ignoram a sociologia da conurbação internacional formada na tríplice fronteira, com elos indeléveis e perenes, de ordem social, econômica, religiosa, familiar, artística e cultural. Melhor explicando, para os aduaneiros, no afã irracional de fiscalizar 100% dos cidadãos que atravessam a Ponte da Amizade, que liga o Brasil ao Paraguai, todo mundo, do cristão ao ateu, é diabo ou agente deste.

As regras de fiscalização de bagagem de viajante procedente do exterior não se confundem com as normas voltadas às peculiaridades das fronteiras.

O legislador (Decreto-lei 2.120/84), acertadamente, separou bem uma coisa da outra. Prestigiou algumas localidades, harmoniosamente integradas entre si.

A isenção dos bens levados para o exterior ou dele trazidos, no movimento característico das fronteiras terrestres, passou a ter eficácia com a edição do Decreto-lei 2.120/84, recepcionado como lei pela Carta de 1988. Em seguida, uma norma da Receita Federal pretendeu disciplinar o assunto (IN 104/84), baseando-se não na lei, mas em uma portaria do ministro da Fazenda (149/84), revogada em 1995. Extinto o ato principal, o secundário não teve outro destino.

Comércio de subsistência

A isenção do imposto de importação de bens trazidos do exterior, no comércio característico das fronteiras terrestres, aplica-se aos bens destinados à subsistência da família de residentes nessas cidades. Esses bens são os estritamente necessários ao uso ou consumo pessoal e doméstico.

É dizer: a isenção referida, tendo como alvo os habitantes das fronteiras, é plena. O decreto-lei em referência prevê que os limites de isenção devem ser fixados pelo ministro da Fazenda, providência ainda não adotada, exceto no distante ano de 1984, com as hoje caducas Portaria MF 149 e a IN SRF 104. Todos os atos baixados pelas autoridades fazendárias sobre bagagem, atualmente em vigor, dizem respeito tão-somente à isenção e a outros procedimentos sobre bagagem dos viajantes e geral.

As principais regras sobre bagagem de viajante foram editadas a partir dos anos 90, em consonância com os princípios do Tratado do Mercosul. Em 1995, foi editada a Portaria MF/ 39/95, sobre o Controle Aduaneiro da Bagagem.

Disciplinou, entre outros assuntos, o conceito de bagagem de viajante e delegou poderes ao secretário da Receita Federal para praticar atos complementares.

Mas não disciplinou especificamente a desoneração fiscal relacionada ao comércio de subsistência em fronteira.

Os demais atos normativos que a sucederam igualmente foram omissos sobre os limites do favor tributário especial direcionado ao comércio de subsistência na fronteira.

Assim, é de admitir-se que as supostas limitações relacionadas ao movimento característico das cidades situadas nas fronteiras terrestres brasileiras, tais como o teto de isenção de 300 dólares norte-americanos (US$ 300.00) e sua utilização uma única vez a cada mês pelos residentes nessas regiões, como se fossem viajantes comuns, data venia, não têm eficácia, porquanto simplesmente inexistentes do ponto de vista legal.

Inaceitável advogar que um ato administrativo pretenda uma incidência de imposto, na alíquota de 50% sobre o valor dos bens trazidos do exterior que excederem o limite de 300 dólares estadunidenses, sem excepcionar os casos abrangidos pelas regras aplicáveis às famílias que, por residirem na fronteira, são beneficiárias, por expressa disposição de lei, de uma isenção especial. E mais: o Decreto-lei 2.120/84 não faz distinção do país de origem desses bens, desde que sejam de uso ou consumo doméstico.

Note-se que o artigo 168 do Regulamento Aduaneiro, que trata do comércio de subsistência em fronteira, não faz referência aos vocábulos "viajante" e "bagagem", até porque, a priori, os moradores dessas conurbações não podem ser alçados à categoria de viajante pela simples movimentação decorrente da convivência social..

Ora, somente a lei pode criar deveres jurídicos, somente ela pode estatuir os elementos da regra-matriz de incidência. Temerário, portanto, imaginar tal incidência fiscal cada vez que um morador de uma cidade da fronteira retornar, a partir da segunda vez em um período de 30 dias, de outra vizinha cidade situada no exterior, mesmo quando em sua bagagem trouxer bens ou presentes de uso ou consumo da unidade familiar, ainda mais em se tratando de bens de valor irrisório!

Em conclusão, considerando o disposto no artigo 111 do Código Tributário Nacional (Interpreta-se literalmente a legislação que disponha sobre: I - ...; II- outorga de isenção), pode-se afirmar que:

A) – As atuais limitações sobre bagagem acompanhada dos viajantes procedentes do exterior estão, em tese, em consonância com a legislação. Vale ressaltar, porém, que, pela Decisão 18/94 do Mercosul, os viajantes em geral foram contemplados com uma quota de isenção, denominada "franquia" mensal, hoje fixada em US$ 300,00. Mas não está nem na lei nem na referida decisão que, uma vez sendo usufruída a isenção parcial, esteja o cidadão impedido do benefício fiscal dentro do teto fixado para o período de um mês.

B) – No que tange ao comércio de subsistência nas fronteiras, isto é, aos bens levados para o exterior ou dele trazidos, de uso ou consumo pessoal ou doméstico das pessoas físicas residentes em cidades como Foz do Iguaçu, não estão, a rigor, sujeitas à incidência do Imposto sobre a Importação. Nada impede, porém, que sejam fixados limites e condições pelo ministro da Fazenda, conforme autoriza o Decreto-lei n.º 2.120/84.

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