Desde 1993, quando Fernando Henrique Cardoso era ministro da Fazenda de Itamar Franco, vem enfatizando o duplo papel na agenda da arrecadação federal exercida pela polêmica Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, a tal CPMF. Também é conhecida como “imposto da saúde”.
Inicialmente batizado de IPMF (Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira), ao longo de sua existência o tributo foi marcado por calorosas discussões jurídicas, notadamente por gerar os indesejáveis efeitos da tributação em cascata, por conta da sistemática de sua arrecadação. Finalmente, a CPMF foi extinta em 2007.
Adib Jatene
Alvo de acirrados debates judiciais e de sonoras reações dos empresários e da população em geral, ainda na década de 1990 o IPMF teve o nome alterado. Foi sucedido pela CPMF. A mudança de nomenclatura – de imposto para contribuição – ocorreu já sob os hercúleos esforços do afamado médico cirurgião Adib Jatene, que, nomeado ministro, lançou-se de corpo e alma no árduo desafio de salvar a saúde pública de Pindorama.
Como é sabido, ele largou o bisturi, arregaçou as mangas, visitou os gabinetes do nosso parlamento e ganhou espaço na mídia para convencer os súditos da necessidade da cota de sacrifício de cada um de nosotros.
O carismático cirurgião, ilustre filho da Xapuri, pequena cidade do interior do Acre, graças à sua ilibada reputação, convenceu a nação de que o dinheiro arrecadado via CPMF era inadiável e vital para tirar do coma os hospitais públicos do país. Até que, ressuscitado o imposto, Jatene logo percebeu que ele próprio fora iludido. Eram falsas as promessas oficiais de que a verba arrecadada seria repassada com exclusividade à sua pasta.
Pois, pois! Como o dinheiro nunca chegou, demitiu-se do Ministério da Saúde – agora pela segunda vez, pois também foi titular da pasta no governo Collor.
Novo discurso
Novamente, estamos diante da iminente recriação do aludido tributo, desta feita com notória aquiescência de governadores cujas finanças, dizem, estão em falência múltipla. Não conseguem pagar sequer o 13º salário dos servidores, muito menos equipar minimamente a rede pública hospitalar.
De fato, diariamente a mídia mostra enfermos morrendo nas calçadas dos hospitais à míngua de remédios básicos, de médicos e de leitos adequados. O atendimento emergencial passou a ser tão somente para atestar o óbito do cidadão e desde que esteja em estado terminal!
Diante dessa realidade calamitosa, muito mais severa e aguda do que aquela denunciada por Adib Jatene nos idos de 1990, quando o Congresso Nacional pariu a CPMF, não resta dúvida de que esse tributo logo estará cutucando mais uma vez as contas bancárias e as operações financeiras dos míseros e indefesos contribuintes brasileiros.
Todos sabem o quanto isso é nefasto ao seus bolsos e o grau de oneração do setor produtivo. Na verdade, esse peso não seria tão cruel e amargo (ao contrário, como obrigação cívica seria gratificante) se tivéssemos na vida pública outro Jatene, com a mesma determinação, com os mesmos propósitos transparentes, em cujos ideais fosse confiada essa contribuição a ser extraída da combalida economia popular.
Fiscal eletrônico
Registre-se, por último, que a recriação do aludido tributo, além de assegurar arrecadação bilionária (em 2006, último ano de sua vigência, o total arrecadado passou de R$ 30 bilhões), sua sistemática operacional tem custo zero para o governo e ao mesmo tempo representa um infalível fiscal eletrônico para o Leão. É duplo, portanto, o papel fiscal da CPMF. Durante as 24 horas do dia, são monitoradas todas as operações dos contribuintes.
Com isso, a administração fazendária federal pode alimentar diuturnamente suas bases secretas de dados para instruir futuras operações direcionadas a pessoas com sinais de riqueza incompatível com os ganhos declarados. Foi assim até 1996.