Tive o privilégio de testemunhar a cena abaixo descrita. Cidadão cumpridor pontual de suas obrigações comparece ao balcão dos feitos do fisco municipal em uma comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Quer saber os motivos de uma execução fiscal relativa a suposta dívida de IPTU lançada em seu nome. Acabara de receber a citação judicial pelos Correios.
A atendente vai ao computador e digita o número da indicação fiscal do imóvel residencial do munícipe. De plano, ele é informado que é devedor do imposto de 2009 e 2010. “O processo judicial é procedente”, sentencia a moça. Em seguida, solicita que ele se levante da cadeira onde acabou de sentar, pois ela precisa chamar “o próximo”. Orienta o cidadão para aguardar em outro lugar do saguão enquanto outra colega providencia a emissão das guias com os valores atualizados da dívida.
Nesse ínterim, o cidadão-devedor recebe uma chamada pelo celular. Era o chefe-geral daquela repartição, colega dos tempos da faculdade. Pergunta o que ele está fazendo ali e diz que o reconheceu por uma câmera de monitoramento instalada na sua sala. Mal o amigo-contribuinte começa a falar, uma segunda atendente, de voz metálica e magra como palito, surge de trás de um biombo de drywall amarelo-fralda e chama o seu nome. Nesse exato momento, do outro lado da linha, o amigo-chefe, que tinha aguçada audição, escuta a voz da subordinada e pede para o colega-visitante-contribuinte perguntar o nome da funcionária que está falando com ele.
Já em pé (a mulher-palito também), o pobre contribuinte interrompe por um instante a fala ao celular e pergunta educadamente o nome da moça, seguindo instruções do amigo chefe-geral. “O senhor precisa desligar o telefone para falar comigo”, responde a mulher-palito. “Desculpe, senhora”! – acrescenta o munícipe-contribuinte. E tenta explicar que está falando com o chefe-geral da repartição, que quer saber o nome da pessoa que o está atendendo. Apenas isso.
Mas a funcionária-palito faz questão de não entender o que o cidadão-contribuinte diz. Sem o mínimo interesse para saber o conteúdo daquela conversa telefônica, faz uso mais acentuado das circunflexões que imagina ter pelo exercício do proeminente cargo de especialista em cálculos. Sisuda, dá um ultimato para o cidadão-contribuinte-devedor-amigo do-chefão desligar incontinente o celular, se quiser receber as guias com os cálculos.
Em seguida, vira-se de lado para retornar à sala oculta de onde veio. O homem insiste em desculpar-se e esclarecer o inusitado: “A senhora conhece o dr. fulano, o chefe-geral? Pois é ele quem está aqui no celular pedindo que eu seja conduzido até a sua presença. É possível? A senhora faria a gentileza de levar-me até ele?”
A funcionária mulher-palito-sisuda-voz-metálica, agora com inusitada cortesia no trato, rosto corado de vergonha pelo ríspido atendimento, responde:
“Pois não, senhor! Aceita um cafezinho, uma água? Quer um envelope para guardar as guias? Sinta-se à vontade! A casa é sua! Acompanhe-me, por favor!”