Vem de épocas imemoriais o entendimento pacífico de que, para o Fisco, não importa a licitude ou não da origem do dinheiro a ser submetido à tributação. Se, por exemplo, o corrupto deve ou não pagar com pena de privação da liberdade o delito por ele cometido, isso não está na alçada do Leão, e sim da polícia. Ao Leão cabe abocanhar a parte que lhe é devida, e pronto – decorra o fato economicamente apreciável de práticas ilícitas atribuídas ao contribuinte ou de mera atividade regulada pelo direito posto.
Dito isto, fica menos difícil compreender a iniciativa do nosso Fisco de repatriar para Pindorama o dinheiro sujo depositado em outras plagas, condicionando-se a regularização patrimonial do agente ao pagamento dos respectivos tributos. Na seara do Leão não se indaga, na prática, a causa jurídica geradora da fortuna tributável. É de todos conhecida a máxima, atribuída ao imperador Vespasiano, segundo a qual dinheiro não cheira (pecunia non olet).
Repatriamento de divisas
Diante da crise econômica, aliada à arrecadação que acelera para baixo, o fisco brasileiro resolveu, entre outras investidas, apostar num suposto tesouro escondido por sonegadores no exterior. No afã de recuperar em terras alheias o que “é de César”, o Leão está propondo um pacto, um “sacrifício” a esses infratores. Para obtenção de uma benesse fiscal que acaba de ser concedida legalmente, basta o interessado pagar sobre o patrimônio sonegado 15% de imposto e mais 15% de multa, totalizando apenas 30% sobre o valor a ser declarado. Entre outros benefícios, o infrator também fica livre dos procedimentos penais correlatos.
Essa tributação especial incidirá sobre o montante declarado pelo contribuinte, que será convertido em reais pelo valor cambial do dólar praticado no dia 31 de dezembro de 2014, isto é, R$ 2,66.
Considerando-se o valor atual do dólar para os fins desse cálculo, de plano se verifica que os destinatários do indulto leonino pagarão, no frigir dos ovos, algo em torno de apenas 20% do dinheiro sujo existente no exterior. Um milhão de dólares hoje equivale a aproximadamente quatro milhões de reais. Em 31 de dezembro de 2014, data fixada para apuração do quantum a ser carreado às burras oficiais, nos termos da norma de repatriamento dessas divisas (Lei 13254/16), esses mesmos dólares valiam dois milhões, seiscentos e sessenta mil reais. Uma base de cálculo, portanto, defasada no mínimo em 35%, se comparada com o câmbio de hoje.
Injustiça
Os bilhões que serão arrecadados com essa anistia, que é geral e irrestrita (balela dizer que não contempla dinheiro proveniente de caixa dois, até porque seu conceito é complexo e polêmico) certamente seriam multiplicados por outros bilhões se a taxação ao menos fosse igual à aplicada sobre os salários de nosotros, míseros e indefesos contribuintes, e obedecida a mesma base de cálculo.
É estarrecedor constatar que o dinheiro sujo está a merecer o afago de uma tributação na base de 20%, com direito à extinção da punibilidade penal dos sonegadores, enquanto o dinheiro suado do trabalho honesto é tributado com uma alíquota de 27,5%. E sem direito a nada, absolutamente!
Com a palavra o maior baiano de todos os tempos, Ruy Barbosa:
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”
No vão da jaula
- De acordo com a cartilha do Leão, não estão sujeitos a tributação os seguros recebidos de entidades de previdência privada decorrentes de morte ou invalidez permanente.
- Pecúlio é o benefício pago em parcela única. Observe-se, porém, que, para o Fisco, a importância paga em prestação única correspondente a reversão, ou devolução, de contribuições efetuadas ao plano, acrescida ou não de rendimentos financeiros, não caracteriza pagamento de pecúlio, sendo tributável na fonte.
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