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DE OLHO NO LEÃO

E tome taxa

Nos primórdios do mundo civilizado, quando reinava a vontade do monarca sobre tudo, sobre todas as coisas e sobre todas as pessoas, as burras do poder tributante eram abastecidas sem observância do mais tênue princípio do direito tributário, ao menos nos moldes hoje conhecidos. Se fosse a vontade do soberano, pronto: tribute-se o chilrear dos pássaros, tribute-se o silvo dos ventos, tribute-se o chiado dos gatos, tribute-se o balido das ovelhas!

Até que, em 1215, a Magna Carta de João sem Terra introduziu barreiras importantes na febre arrecadatória do Leviatã. Naquele ano, nascia, na Inglaterra, o velho princípio da anualidade (hoje anterioridade), da lei tributária. De acordo com essa regra, a cobrança de impostos passou a depender de prévia autorização legal. Como no direito penal, onde reina a máxima segundo a qual não há crime sem anterior previsão legal, no direito fiscal prevalece o princípio segundo o qual não há tributo sem prévia autorização legislativa.

Voracidade fiscal

Pois bem! Ocorre que o Fisco sempre encontrou meios, não raro vorazes, de massacrar os súditos mediante exigências tributárias sem o devido respeito a outros princípios, como o da moralidade e o da capacidade contributiva. E o faz principalmente por meio da cobrança de taxa, tributo que, em tese, escapa da regra da capacidade contributiva e cujo controle de constitucionalidade é, de fato, mais complexo.

Por isso mesmo, a taxa está cada vez mais presente no dia a dia das obrigações tributárias. A propósito, não faz muito tempo, num país vizinho ao nosso, chegaram a criar a taxa do amor! Isto mesmo, a taxa do amor! Cobrada dos casais de namorados que adentrassem os motéis, era devida independentemente da ocorrência do “fato gerador”!

Ecad

Aqui em Pindorama, os poderes tributantes das três esferas de governo (União, estados, municípios e Distrito Federal), incluindo suas autarquias, são useiros e vezeiros na prática de extorquir míseros e indefesos contribuintes por meio de taxas. Veja-se o exemplo nefasto do Ecad – Escitório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais, criado no auge da ditadura militar. Como é sabido, do nada seus agentes surgem nas mais inocentes festas de aniversários e taxam esses e outros eventos familiares com a cobrança de supostos direitos autorais.

Dá-se que esses fiscais, empunhando trenas, tributam as confraternizações domésticas baseados no tamanho da sala da casa e não na relação das músicas que ali serão executadas. Não lhes interessam saber sequer os nomes dos compositores ou dos intérpretes.

Por aí, já é possível imaginar o grau de injustiça na distribuição dos direitos autorais aos músicos brasileiros. Não foi à toa que Tim Maia chegou a bradar: “Vim ao mundo para acabar com o Ecad!”

Segurança dos magistrados

Quem diria. O vírus taxa, com o máximo respeito aos doutos juízes, agora também infestou o Poder Judiciário!

Na coluna anterior comentamos a criação, pela Lei 17.838/13, do Paraná, da cobrança de uma taxa de 0,2% sobre a receita bruta de serviços notariais e registrais, destinada ao fundo estadual de segurança dos magistrados (Funseg). Esse tributo, diga-se, também é cobrado por outros estados. Acontece que, como a receita bruta desses cartórios do foro extrajudicial já é tributada pelo Imposto de Renda (IR) e pelo Imposto sobre Serviços (ISS), logo, a malsinada taxa Funseg revela-se, às escâncaras, inconstitucional.

A Constituição Federal proíbe a instituição de taxa com a mesma base de cálculo de imposto em vigor. Além disso, não é menos certo que os impostos pagos pelos súditos destinam-se a custear as despesas gerais do Estado, compreendendo a segurança dos cidadãos, dos magistrados e dos demais agentes públicos, incluindo blindagem de seus veículos eescolta armada

Funrejus

Da mesma forma, revela-se confiscatória, por conseguinte inconstitucional, outra lei recente do estado do Paraná que altera o critério de cobrança de uma taxa, também no percentual de 0,2%, exigida dos usuários de serviços notariais sobre o valor do imóvel – registrado ou apenas escriturado. O tributo é cobrado em favor do Fundo de Reequipamento do Poder Judiciário (Funrejus). A alteração consiste na revogação de dispositivo de lei anterior, que estabelecia um limite máximo da taxa. Com isso, referido tributo, que não tem fins arrecadatórios, mas retributivo, porquanto corresponde à contraprestação de um serviço público, passou a ser manifestamente confiscatório.

Decisão judicial contrária

No final do ano passado, o juiz Guilherme de Paula Rezende, da 4ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, concedeu liminar em uma ação declaratória afastando a mudança e assegurando o direito de pagamento dessa taxa nos termos da legislação anterior, isto é, respeitado o limite.

Em meados deste ano, o mesmo juiz, confirmando a liminar, julgou procedente o pedido e reconheceu, neste particular, a inconstitucionalidade da nova lei.

Ainda em relação à mencionada taxa, impõe-se destacar outro absurdo: nos atos notariais sem expressão econômica, o cidadão terá que pagar 25% sobre o emolumento. Numa procuração pública, por exemplo, que custa R$ 70,00, o cartório cobra dos interessados o total aproximado de R$ 91,00, pois, além do Imposto sobre Serviços (ISS), exige uma taxa correspondente a 25% do valor de seus emolumentos (25% de R$ 70,00).

Voltaremos ao assunto.

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