Para a Receita Federal, o pretendente à isenção deve provar que essa deficiência envolve ambos os olhos. A lei, todavia, não diz isso. Refere-se a "cegueira", apenas. Recentemente, o STJ decidiu que a pessoa com cegueira irreversível em um dos olhos está livre do pagamento do Imposto de Renda.

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A legislação do Imposto de Renda, em um dos raros lampejos de respeito às condições individuais dos súditos, contempla com isenção do mencionado tributo os portadores de determinadas doenças graves. Entre as moléstias arroladas para viabilizar esse benefício destacam-se tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados de doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida, e fibrose cística (mucoviscidose), com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou da reforma.

A isenção é dirigida aos proventos de aposentadoria ou de pensão, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma. Porém, não alcança os ganhos do trabalhador ativo ou de quaisquer outros rendimentos, incluindo salários, aluguéis, honorários, ganhos de capital etc.

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Polêmicas

Apesar da clareza literal contida na previsão normativa, que se encontra inserida no artigo 39 do Regulamento do Imposto de Renda, frequentemente surgem dúvidas e acirradas discussões quanto ao enquadramento de contribuintes nos parâmetros dessa isenção. São recorrentes, por exemplo, os questionamentos relacionados ao fator temporal do início da doença, uma vez que, em regra, as perícias médicas, quando da constatação da moléstia, não retroagem a uma data específica. O benefício, então, passa a valer somente a partir da data do laudo pericial, que deve ser obrigatoriamente elaborado por junta médica oficial de uma das três esferas de governo. O Fisco não aceita laudos emitidos por entidades particulares. Isso, no entanto, não retira sua importância no bojo de eventual demanda judicial.

Outra polêmica diz respeito à situação específica da extensão da doença da qual é portador o contribuinte. É o caso dos deficientes visuais. Para a Receita Federal, o pretendente à isenção deve provar que essa deficiência envolve ambos os olhos. A lei, todavia, não diz isso. Refere-se a "cegueira", apenas. Recente­mente, o assunto foi objeto de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com decisão contrária ao Fisco. De acordo com esse julgamento, a pessoa com cegueira irreversível em um dos olhos está livre do pagamento do tributo em tela. Com esse entendimento, manteve-se a isenção a um servidor aposentado do estado de Mato Grosso. A Segunda Turma do STJ concluiu que a lei não distingue, para efeitos de isenção, quais espécies de cegueira estariam beneficiadas ou se a patologia teria de comprometer toda a visão. Foi relator o ministro Herman Benjamin.

No caso, um dentista aposentado por invalidez por causa de cegueira irreversível no olho esquerdo ingressou na Justiça para obter a isenção do Imposto de Renda em relação aos seus proventos. A cegueira irreversível foi constatada por três especialistas na área médica e o laudo, atestado pelo Instituto de Previdência do Estado de Mato Grosso (Ipemat). O aposentado, além de pedir a isenção, também pleiteou a restituição do que foi indevidamente retido na fonte por sua unidade pagadora. Teve decisão favorável tanto na primeira quanto na segunda instância.

O ministro relator destacou, em seu voto, que o Código Tributário Nacional (CTN) prevê a interpretação literal das normas instituidoras de isenção tributária, sendo inviável a analogia. Mencionou a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) da Organização Mundial da Saúde (OMS), na qual são estabelecidas definições médicas de patologias. Nessa previsão, a cegueira não está restrita à perda da visão nos dois olhos.

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"Nesse contexto, a literalidade da norma leva à interpretação de que a isenção abrange o gênero patológico ‘cegueira’, não importando se atinge a visão binocular ou monocular", concluiu. Embora a validade da decisão seja aplicável apenas ao caso julgado, o entendimento cria um precedente importantíssimo e certamente irá nortear não só outros processos julgados no STJ, como as demais demandas em trâmite nas instâncias inferiores da Justiça.

No vão da jaula

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento a um Recurso Extraordinário (RE 389808) em que uma empresa questionava a quebra de seu sigilo bancário pela Receita Federal, sem fundamentação e sem autorização judicial. A decisão é histórica. Por cinco votos a quatro, os ministros entenderam que não pode haver acesso a esses dados sem ordem do Poder Judiciário. A defesa vitoriosa da empresa contou com a atuação do advogado paranaense José Carlos Garcia Filho, que fez brilhante sustentação oral no Plenário da Suprema Corte. O ministro Marco Aurélio, relator do processo, destacou em seu voto que "é preciso resguardar o cidadão de atos extravagantes que possam, de alguma forma, alcançá-lo na dignidade".