No ar, o anúncio de mais um pacote de “remédios amargos” na área da tributação federal. Para salvar o país da desgraça econômica, a prioridade é tapar o rombo de R$ 30,5 bilhões no orçamento de 2016.
Como de costume, o governo sinaliza caminhos cômodos para carrear às suas burras vultosas cifras. Entre as medidas, comenta-se a elevação do Imposto de Renda (IR) das pessoas físicas mediante aumento do quadro das alíquotas em vigor.
O discurso em favor dessa iniciativa simplista parte de uma verdade que, ao mesmo tempo, embute um engodo. De fato, a alíquota máxima do IR dos súditos de Pindorama (27,5%) é inferior às praticadas nos países tidos como desenvolvidos, como Alemanha (45%), Holanda (52%), Reino Unido (45%), Japão (40%), Estados Unidos (39,6%), Bélgica (50%), França (45%), Espanha (30,5%) e Canadá (29%). Todavia, é sabido que nessas paragens o contribuinte conta com a contraprestação estatal nas suas demandas básicas relacionadas à cidadania, como saúde, educação, segurança e transporte.
Note-se que o legislador pátrio considera como renda alta de um assalariado – e por conseguinte sujeita ao IR pela alíquota máxima de 27,5% – o ganho superior a R$ 4.664,68. É a mesma alíquota aplicável a quem ganha R$ 100 mil. Não se conhece violência mais explícita aos princípios constitucionais da progressividade e da capacidade contributiva que, além da consideração econômica, devem presidir os critérios da tributação das pessoas físicas.
Confisco
Esses dias, analisei a declaração do IR de um contribuinte com renda mensal de R$ 12 mil. Eis a realidade financeira, nua e crua, desse súdito: 1/3 do salário foi abocanhado pelos desconto na fonte do IR e da contribuição previdenciária e mais 1/3 para cobrir o plano de saúde da família. Ele é casado e tem três filhos na idade escolar. Os gastos mensais com a educação passaram de R$ 3 mil. A despesa fixa com aluguel e condomínio girou em torno de R$ 1,5 mil. Como não poderia ser diferente, somadas as dívidas do cheque especial e do cartão de crédito, esse cidadão entrou em 2015 com um passivo de R$ 45 mil.
Registre-se que as despesas com aluguel residencial e condomínio não são dedutíveis da renda bruta. Por outro lado, o valor total da dedução legal relacionado à instrução dos filhos, para fins de apuração do IR anual, não chegou a 30% do que esse contribuinte efetivamente desembolsou durante o ano. O teto dedutível na declaração de 2015 foi fixado em R$ 3.375,83 para cada filho.
Em outras palavras, não é preciso ser matemático para concluir que elevar, pura e simplesmente, em vez de reduzir de forma significativa, a alíquota do IR de pessoas com o perfil do contribuinte em questão constituiria verdadeiro tiro de misericórdia. De longe, ultrapassaria as barreiras do confisco. Diga-se o mesmo em relação à cobrança imoral desse mesmo tributo, na base de 7,5%, hoje praticada sobre salários a partir de R$ 1.903,99. Com isso, porteiros, jardineiros, garis e outros modestos trabalhadores igualmente já são extorquidos pelo IR. Tamanha perversidade, ao que consta, só na época do rei João sem Terra. Se ele não chegou a tanto, faltou pouco. Que o diga o Robin Hood!
Contas
De qualquer modo, se o principal desafio do governo é, como já foi dito, zerar o rombo de R$ 30,5 bilhões no próximo ano, devemos ficar vigilantes com as contas apresentadas pela própria equipe econômica. Já se tem projetada para 2016 uma arrecadação extra na ordem de 3,8 bilhões só com a elevação de 15% para 20% da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos e instituições financeiras (em 2017 a bolada pula para R$ 4 bilhões).
Outros bilhões serão arrecadados com a elevação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre os combustíveis (embora represente um encargo a ser repassada para a cadeia produtiva) e com a cobrança especial de impostos sobre o dinheiro mantido irregularmente por brasileiros no exterior. Se a distribuição de lucros aos sócios das empresas também entrar no rol da riqueza tributável pelo IR (nada mais justo nesse momento em que se clama por solidariedade) nada faltará, ou faltará muito pouco, para zerar o déficit apontado.
O socorro final, se necessário, poderá vir com os resultados decorrentes dos cortes nos gastos públicos, sem comprometer os programas que buscam atenuar as desigualdades sociais.