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Nestes trinta e dois anos em que a coluna tem falado da sempre amarga obrigação cívica de pagar impostos e taxas, não me lembro de ter festejado a existência de qualquer tributo. A razão é uma só: o Leviatã, gastador desvairado e adepto do desperdício sem causa justa, não é retributivo em relação aos súditos.

Hoje, porém, a coluna está voltada a um tributo especial, merecedor de aplausos de todos nós. Refiro-me à homenagem que Hermeto Pascoal receberá logo mais no Guairinha, pelo aniversário de seus 79 anos. Trata-se de imperdível show montado com o repertório do novidadeiro de Lagoa da Canoa, sob a batuta do acordeonista João Pedro Teixeira e convidados. O momento também é de despedida, já que Hermeto, depois de 12 anos morando em Curitiba, está de mudança para o Rio de Janeiro.

Latas no varal

O menino Sinhô, apelido de infância de Hermeto Pascoal, considerado o maior novidadeiro de sons do mundo, é autor dos clássicos Chorinho pra ele, Bebê e O ovo.

E quem diria! Tudo começou quando, ainda criança, aquele galeguinho do sítio Olho d’Água da Canoa distraía os aguçados ouvidos com o tilintar de panelas, frigideiras, caçarolas, bules e chocalhos espalhadas na oficina do avô, o seu Sena da Bolacha.

Sinhô, o peraltinha albino, filho do respeitado sanfoneiro Pascoal dos Oito Baixos e da dona Divina, não conseguia esconder a compulsão para a música. Seus ouvidos não desprezavam nem sequer a melodia do chiado dos gatos, apesar das advertências da mãe para evitar puxado.

Habitualmente estendia restos e pedaços de latas em varal esticado no quintal do avô, fazendo dele um diapasão para captar sons. No silêncio das altas horas da noite, quando todos dormiam, saía escondido de casa, atravessava a rua escura e grudava os ouvidos nas frestas do vetusto portão da igreja para ... ouvir a frequência e os timbres ultrassons dos morcegos.

De família humilde, valia-se da criatividade para improvisar os próprios instrumentos. Fazia flautinhas e pifes com canudo da carrapateira, do mamoeiro e do jerimum.

  • A partir desta segunda-feira, dia 8, estará disponível para consulta o primeiro lote de restituição do IRPF/2015, que contempla 1,5 milhão de contribuintes. O total das restituições passa de R$ 2 bilhões.
  • Trata-se de um lote multiexercício de restituição do IR que contempla também declarações de 2008 a 2014.

Primeiros ouvintes

Quando escalava as veredas do roçado em carro de boi tangendo de sol a sol na caatinga ou em cangalha presa com rabichola a jumento manso, recebia do pai merecido privilégio por conta da sensibilidade aos raios solares. Ficava na sombra de uma árvore e assim podia tocar sua flauta para os passarinhos. Na primeira tocata, eles se assustaram e voaram para longe. Na segunda, sempre posicionado no mesmo lugar, Hermeto cativou para sempre seus primeiros ouvintes.

Descalço ou de alpercata, diante do infortúnio de levar traiçoeira topada na estrada, Sinhô não perdia as estribeiras nem o ritmo da pisada, menos ainda o tom irreverente do humor nato: trazia para casa não só o dedo esfolado como a pedra inimiga. Era a recordação do último som repercutindo no caminho.

Assim foi indo. Como músico autodidata na infância, Hermeto ganhou seus primeiros cachês puxando o fole nos festejos locais. O carro-chefe era o famoso forró Gaio de Roseira, composta pelo pai. Até os 14 anos, antes de conseguir seu primeiro emprego em uma rádio do Recife e de estudar teoria musical, ele torou léguas e mais léguas, vagando de sítio em sítio com a sanfona nas costas.

Anos depois, em 1971, Gaio de Roseira seria premiada pela crítica inglesa como uma das melhores músicas. Da mesma forma, a composição Velório ganharia consagração nos EUA – quando de uma temporada de Hermeto na terra do Tio Sam a convite da cantora Flora Purin e de Airto Moreira, seu ex-parceiro no memorável grupo Quarteto Novo, formado em 1967 juntamente com Theo de Barros e Heraldo do Monte.

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