Taxas de juros de cartões de crédito e de financeiras são as mais altas, confira no gráfico| Foto:

Não é só por causa de Marina Silva e seus 19,6 milhões de votos que sustentabilidade é a palavra da moda. Já faz algum tempo que os discursos de políticos e empresários graduados incorporaram esse polissílabo. Resumidamente, ele nos remete à charada clássica da galinha dos ovos de ouro (que, no contexto atual, é o meio ambiente): como extrair dela benefícios sem aniquilar com a fonte de renda. Mas os brasileiros precisam prestar atenção em outros usos desse mesmo conceito. A sustentabilidade do crédito é um exemplo.

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No sábado, uma matéria curtinha aqui na Gazeta me chamou atenção. O título era "Cartões e financeiras puxam alta da inadimplência". Dizia lá que o número de contas com mais de três meses de atraso havia subido 1,6% na comparação entre setembro e agosto, segundo dados da empresa Serasa Experian, especializada em informações de crédito. Dizia também que era o sétimo mês consecutivo de alta na inadimplência dos segmentos de cartões de crédito e nas financeiras.

Quando li isso, lembrei de outro levantamento, que havia lido dias antes. A Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), que faz um levantamento mensal sobre os juros, mostrou que eles chegaram no mês passado ao seu menor ponto na série histórica da instituição, que vem desde 1995. A média foi de 6,74% ao mês, ou 118,7% ao ano. Os juros cobrados pelas financeiras em empréstimos pessoais também são os menores desde 1995, e caíram pela primeira vez abaixo dos 200% ao ano.

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O preço de contrair um empréstimo é o menor dos últimos quinze anos, e mesmo assim as pessoas estão deixando de pagar suas contas. Há um problema aí, e ele vem do fato de que, apesar de recuarem, as taxas brasileiras são monstruosas, acima de qualquer padrão mundial. No livro A history of interest rates, os economistas Sidney Homer e Richard Eugene Sylla explicam que, mesmo nas economias mais primitivas, raramente qualquer transação ultrapassava 100% ao ano de juros – mesmo que se tratasse de empréstimo de cobertores no frio inverno canadense. Na Idade Média, empréstimos nas casas de penhores raramente chegavam a 300% ao ano. E, nesse caso, a pena era a devolução do dinheiro (a mesma que era aplicada no caso de roubo).

O gráfico acima mostra a evolução dos juros do cartão e dos empréstimos pessoais das financeiras. São as taxas mais altas da lista da Anefac. Note que os juros do cartão registram quase nenhuma variação desde fevereiro de 2009. Não é de surpreender, então, que a inadimplência seja alta. Se o sujeito atrasar um mês, há um grande risco de a dívida se tornar impagável – insustentável, para usar uma variação da palavra da moda.

Tensão no ar

Há uma tensão constante no crédito brasileiro. Pelo lado do consumidor, há uma imensidão de demandas reprimidas. O país passa por um momento inédito de crescimento com estabilidade econômica, com altas taxas de ocupação e inflação sob controle. A "nova classe média", como os analistas classificam a turma que ganhou capacidade de consumo nos últimos tempos, está interessada em tirar o atraso de anos de despesas contidas. O caminho para realizar os sonhos de consumo desses brasileiros está no crédito.

Pelo lado do comércio, as vendas a prazo tornam possível atender a essa demanda. Restaria aos comerciantes um obstáculo, que é o da segurança das vendas. Antigamente, você parcelava uma aquisição e saía com um carnezinho nas mãos e a obrigação de pagar as prestações na loja – era ela quem financiava e, em consequência, quem saía perdendo quando o cliente deixava de pagar a conta. Hoje isso não acontece mais, porque o lojista terceirizou o risco, vendendo por meio de cartões de crédito e de financiamentos bancários, ou então negociando com instituições financeiras o recebimento antecipado das faturas.

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Foi assim que entrou em cena o terceiro agente dessa negociação, o sistema financeiro. Este garante que os comerciantes receberão integralmente pelas suas vendas e oferece facilidades para o consumidor – que pode, por exemplo, concentrar todas as suas compras num só vencimento, por meio do cartão de crédito. Um quarto participante desse teatro é o governo, que age esporadicamente, mas com grande poder: baixa impostos para incentivar a economia, como fez tempos atrás, ou aumenta juros para contê-la e reduzir as taxas de inflação. Mexe com os juros básicos, porque os do mercado são definidos pelos bancos, levando em conta os seus custos e também outras variáveis, como os seus próprios ganhos com a operação e a inadimplência.

Insustentável

Não será nunca demais repetir: fuja dessas modalidades de crédito como o Cascão foge da chuva.

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