Depois de se fingir de morto durante meses, na semana passada o governo federal finalmente trouxe alguma novidade para aquela proposta de taxação das cadernetas de poupança. Parece novela: o enredo vem se arrastando desde fevereiro e ainda não surgiu uma solução para a trama. Pode comparar: Caminho das Índias começou quase na mesma época (18 de janeiro), mas já terminou e ninguém mais discute se Maya fica ou não com Raj.
Com a poupança é diferente. O governo ainda não sabe nem se manda o tema para o Congresso como Medida Provisória ou como projeto de lei. Sua proposta é esquisita: impor às cadernetas com saldo superior a R$ 50 mil uma alíquota de Imposto de Renda de 22,5%, no topo da cadeia alimentar das aplicações financeiras. O pagamento seria na fonte ou seja, o banco descontaria o imposto do saldo da aplicação , todos os meses.
Se ficar assim, o que é difícil dizer, dos males o menor. Quem acompanhou o drama desde o início deve lembrar de hipóteses complicadíssimas que foram aventadas pelas autoridades do governo federal. Uma, em especial, prometia dar um nó nas ideias do poupador: o imposto da poupança aumentaria à medida que a taxa básica de juros (Selic) fosse caindo. Assim, na prática, o sujeito nunca saberia quanto pagaria de imposto e quanto teria de ganho na sua caderneta. Pesadelo.
O professor Jackson Sandrini, da Universidade Federal do Paraná, acha que a proposta não passa. Ele questiona alguns pontos importantes, como o porcentual da alíquota. "A poupança não tinha taxação nenhuma, agora entra na faixa mais alta de recolhimento. Não tem lógica", observa.
De fato, se a fórmula apresentada na semana passada prosperar, a caderneta de poupança vai ter a rédea mais curta de todas as aplicações financeiras. O lucro com ações é tributado em 15%. Os ganhos com renda fixa têm uma taxação regressiva, que começa em 22,5% (para recursos que ficam aplicados por menos de seis meses) e termina com 15% (para quem mantém o dinheiro parado por mais de dois anos). "Por que a caderneta deveria começar justo no valor máximo?", questiona Sandrini. Além disso, o recolhimento mensal também destoa das outras aplicações. Os fundos são taxados semestralmente, em maio e novembro.
O professor Sandrini já prevê que muitos poupadores terão à mão formas para escapar à taxação. Uma delas será dividir o valor da aplicação com algum de seus dependentes na declaração de Imposto de Renda, de forma a manter o saldo de cada CPF abaixo dos tais R$ 50 mil. "Os bancos não têm como descontar o IR se as aplicações estão sob CPFs diferentes", explica.
Ou seja: há muitos furos no rascunho que o governo apresentou. O que chega a ser surpreendente, já que o assunto está nas mesas de Brasília há pelo menos sete meses.
Sem certezas
A leitora Beatriz está se preparando para mudar sua aplicação (R$ 30 mil, portanto abaixo do nível que poderia ser tributado a partir do ano que vem) de um fundo de renda fixa para a caderneta de poupança. Está em dúvida, porque nos últimos doze meses seu rendimento foi superior à poupança. Ela pergunta se, daqui em diante, a poupança vai continuar sendo vantajosa.
Dado o ambiente citado acima, é difícil ter certeza. Mas é preciso ter em mente ainda que as taxas de juros não vão ficar estacionadas nos patamares atuais para sempre. Todos gostaríamos de viver em um país normal e que a taxa Selic caísse, mas, por enquanto, não é esse o cenário que se desenha. Muitos economistas pensam que uma nova fase de alta pode começar já no início de 2010, dando um novo fôlego às aplicações de renda fixa.
Talvez o momento seja bom para buscar alguma vantagem com o banco. Quem sabe a instituição não baixa a taxa de administração, ou aponta um outro fundo, com taxa menor?
Transformações
Há coisa de uns 25, 30 anos, aplicação financeira para a classe média era sinônimo de poupança que tinha esse lado de caderneta mesmo, uma folhinha onde ficava anotado cada depósito, para controle do poupador. Não havia outras formas. Quando trata agora o dono de uma caderneta como uma espécie de investidor de segunda classe, o governo corre o risco de magoar muita gente.
É preciso mesmo mudar a caderneta, adaptá-la aos juros do nosso tempo e isso vai implicar em reduzir-lhe, de alguma forma, o rendimento. Mas sem tratar mal o cidadão.
Ninguém disse que era fácil.
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