Quantidade de geladeiras por região| Foto:

Dias atrás uma pessoa me contou ter ouvido um desabafo de um consumidor. "Esses colunistas de finanças ficam dizendo que a gente tem de poupar para pagar as coisas à vista", disse ele. "Mas não dá. O salário não dá para guardar, e quando eu consigo parece que as lojas preferem receber a prazo."

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Vesti a carapuça: o recado serve para mim. Escrevi duas vezes sobre o assunto, no começo de setembro e no mês passado. Agora me sinto obrigado a voltar ao tema, para dizer que o leitor tem razão – embora existam algumas coisas que ele possa fazer para mudar isso.

Em primeiro lugar, é realidade que o mundo é muito vasto para um salário tão limitado. Há muito para comprar e, olhando para a minha casa, vejo muitas coisas que precisam ser trocadas e percebo que há vários itens necessários que me faltam. Como há muita gente pobre no país, essa é uma realidade que deixa as relações de consumo para fazer parte de um problema muito maior. Basta ver as estatísticas. No Norte e no Nordeste do Brasil, por exemplo, há uma média de 0,95 refrigerador por residência. Isso significa que há muita gente sem geladeira em casa. E geladeira é bem necessário: as pessoas vão precisar comprar uma nem que seja usada, nem que seja velha – e nem que tenham de se endividar para isso.

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Essas são as demandas reprimidas desse país. As pessoas precisam de geladeiras, de fogões novos, de mobília, de casa. Quando as preenche, o crédito toma uma dimensão social. A encrenca é quando ele cria outro problema, o endividamento.

Quando se trata de famílias de classe média, as demandas reprimidas também existem. E há também as despesas imprevistas. Assim fica difícil poupar, mas é aí que a economia se faz mais necessária. E deve vir desde cedo.

Trocar pneu fica muito mais difícil quando o carro está em movimento. Da mesma forma, é complicado guardar dinheiro quando se está vivendo uma época de gastos crescentes – como aquela do casamento, do primeiro filho etc. Mas quem começou a poupar pouquinho no início da vida profissional pode ter um fundo para custear os tais imprevistos. Desenvolveu uma cultura de poupança, coisa que a maior parte dos brasileiros não tem. Sem ela não dá para pagar à vista.

Voltando ao primeiro parágrafo: as demandas reprimidas levam o brasileiro ao crédito, mas um pouco de previdência pode evitar que ele caia no endividamento – ou seja, que tenha dificuldade para pagar as parcelas.

Rubem Fonseca

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Escrever sobre demandas reprimidas me fez lembrar do conto O cobrador, de Rubem Fonseca. "Tão me devendo colégio, namorada, aparelho de som, respeito, sanduíche de mortadela no botequim da rua Vieira Fazenda, sorvete, bola de futebol", diz o personagem sem nome da história. É assim com o brasileiro. Só que o personagem escolheu tomar tudo à força e buscar vingança. A maioria de nós escolheu a fórmula civilizada do crédito para adquirir essas coisas (a namorada não, claro).

Elas não querem!

E há o caso das empresas que não querem parcelar. Isso é cada vez mais comum, e o leitor certamente já viu isso: o preço à vista é o mesmo a ser pago em três ou quatro parcelas. Há duas razões para isso, segundo explica o consultor Marcos Kahtalian, sócio da Brain Bureau de Inteligência Corporativa. A primeira é o ganho financeiro – a empresa recebe do agente financeiro uma comissão sobre cada venda a prazo. "Essa hoje é uma estratégia financeira dos grandes grupos", observa.

A lógica é simples: a concorrência força os varejistas a praticarem todos preços bem parecidos. A margem, então, é pequena – e os comerciantes a elevam por meio da participação nas vendas parceladas. Algumas redes têm até suas próprias financeiras. No caso das concessionárias de automóveis, diz Kahtalian, a diferença é gritante: a venda de um carro popular rende um ganho de cerca de R$ 500 para a loja, ou até menos. Se a venda for financiada, esse valor pode ser oito vezes maior. A concessionária só vai se esforçar para vender à vista, portanto, se estiver precisando elevar seu fluxo de caixa.

A outra razão é a facilidade de uniformizar os preços. "Treinar toda uma equipe para fazer os cálculos necessários para o desconto à vista é caro, por isso há empresas que preferem só parcelar", explica Kahtalian. "Para o varejista, o processo todo fica mais fácil."

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O consultor, no entanto, continua sugerindo que o consumidor procure comprar à vista, sempre que puder. "Sugiro que, se não conseguir desconto à vista, saia da loja e procure outra. Já fiz isso, e algumas vezes me chamaram de volta com outra proposta, quando estava na porta." Está dado o recado.

iacomini@gazetadopovo.com.br