Lá em casa nós temos uma expressão diferente para dizer a alguém da família para não se preocupar com alguma coisa. “Os pedágios serão pagos”, é o que falamos.
A frase vem de um texto do teólogo escocês William Barclay, um estudioso do Novo Testamento. Ao falar da passagem de Lucas 18, em que Jesus chama um grupo de crianças para perto de si e diz que o Reino de Deus é das pessoas que são como crianças, Barclay observa, entre outras coisas, que a vida da criança é baseada na confiança. “Quando somos jovens”, escreve ele, “nunca duvidamos de onde virá a próxima refeição ou onde encontraremos nossa roupa. Vamos à escola seguros de que ao voltar, nosso lar estará ali e tudo estará disposto para nossa comodidade. Quando saímos em viagem, nunca duvidamos de que os pedágios serão pagos, e que nossos pais conhecerão o caminho e nos levarão ao destino sem problemas. A confiança de um menino em seus pais é absoluta – como teria que ser a nossa confiança em nosso grande Pai Deus”.
Lembrei-me da expressão ao ler reportagem publicada na edição de ontem desta Gazeta, retratando um levantamento da Federação do Comércio de São Paulo sobre endividamento, que diz que 87% das famílias curitibanas têm algum tipo de dívida.
O dado, em si, não é bom nem mau, apenas inspira preocupação com o tipo de dívida que essas pessoas têm e até que ponto elas prejudicam as contas da casa. Algum grau de endividamento a maioria das famílias tem. Uma das principais razões para isso é o financiamento habitacional. Um imóvel é um bem de valor alto e é comum que as pessoas precisem de financiamento para fazer uma aquisição desse nível. É um crédito de longo prazo que se transforma em uma propriedade de valor considerável, que tende a ganhar valor no futuro. O que não é ruim.
O problema está nas dívidas de curto prazo ligadas a bens não duráveis. A compra parcelada de um celular, por exemplo, é péssimo negócio do ponto de vista financeiro. Os juros são altos – dando uma olhada rápida nos sites de comércio eletrônico, 2% ao mês nas grades redes – e o aparelho usado tem um preço de revenda muito baixo. Mesmo automóveis parcelados mostram-se um mau negócio.
Aos juros médios atuais (segundo o Banco Central, os grandes bancos comerciais estão trabalhando com taxas médias próximas de 2% também; o levantamento por instituição está no endereço http://goo.gl/9BPtLy), ao fim de um financiamento de cinco anos de um carro novo, o consumidor terá pago 60% a mais sobre o preço original, e terá um carro que valerá 40% a menos.
Muitas famílias brasileiras estão contraindo dívidas de curto prazo, e isso é ruim para toda a família. O que nos traz de volta às crianças.
Um levantamento da ONG britânica Children’s Society avaliou as consequências para os pequenos do superendividamento, aquele endividamento ruim, que se traduz em contas atrasadas e preocupações em casa (o relatório completo tem 36 páginas, está em inglês e você pode conferir em http://goo.gl/TBynvA). Os impactos são tremendos:
• Em famílias que caíram na armadilha das dívidas, as chances de discussão entre os pais dobram. As crianças ficam expostas a um estresse emocional maior que aquelas que vivem em famílias financeiramente saudáveis;
• Seis em cada dez crianças entrevistadas revelaram que ficam frequentemente preocupadas com a possibilidade de a família não ter dinheiro suficiente;
• O porcentual de crianças que sofrem bullying dobra no caso das famílias superendividadas;
• Há evidências de que as crianças de famílias superendividadas têm mais dificuldades de aprendizagem escolar.
Aquela confiança no suprimento familiar, que é característica da infância, pode ser afetada pelo superendividamento familiar. É como se a criança saísse de viagem com os pais temendo, desde o início, que eles não fossem capazes de levá-la ao seu destino. Está preocupado com o bem-estar de seus filhos? Então você precisa se preocupar com a saúde financeira da sua família.
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