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Financês

Crédito doente

Ontem, antes de dar os toques finais a esta coluna, resolvi olhar para trás. Revisei os assuntos tratados neste mesmo espaço na última terça-feira de junho de anos anteriores. Descobri que, nos últimos dois anos, tratei do mesmo tema: dívidas. Como esse também seria o assunto de hoje, achei que seria relevante revisar os textos do passado. E constatei que não há surpresa alguma nos números que nós, jornalistas, temos apresentado nos últimos tempos a respeito do endividamento das famílias brasileiras. Os números frios do Banco Central mostram que a série histórica desse dado atingiu seu máximo em março deste ano. Mas os sinais de deterioração nas contas dos brasileiros já estavam visíveis.

Em 29 de junho de 2010 o título era "Dívidas monstruosas – como evitá-las e algumas ideias para livrar-se delas". O texto mencionava o caso de uma leitora que tentava negociar uma dívida com o banco, mas não encontrava empenho na instituição, que se negava a fazer qualquer acordo. Em 28 de junho do ano passado, o ponto de partida era o relato, por parte de um vendedor de planos corporativos de telefonia, de que estava difícil fechar contratos porque as regras da tal companhia exigiam que todos os sócios de seus novos clientes tivessem o "nome limpo" – ou seja, sem nenhuma restrição de crédito. E estava difícil fechar as vendas, porque quase sempre havia alguma conta não paga a complicar o crédito.

Sempre que é confrontado com o aumento do endividamento do brasileiro, o pessoal do Banco Central costuma observar que os números não são tão ruins na comparação com o PIB – o que é verdade. Mas ao dar mais atenção a essa relação do que às queixas da sociedade, a equipe econômica incorre no mesmo erro do médico que ignora as queixas do paciente e concentra-se apenas em exames clínicos. Acaba tomando por sã uma pessoa doente. Ou, nesse caso, uma população doente.

Os sintomas estavam todos visíveis, inclusive nos números à disposição do Banco Central. As dívidas acumuladas pelos brasileiros, que somavam 18,4% da sua renda anual em janeiro de 2005, equivalem hoje a 42,9%. O Banco Central divulga hoje novos dados sobre crédito, e é bem possível que eles incluam um novo recorde nessa área. Segundo estimativas da Febraban, os saldos de empréstimos e financiamentos do sistema financeiro devem subir 1,5%.

O problema, como revela uma pesquisa divulgada ontem pela Fundação Getulio Vargas (FGV), é que a maior parte das vítimas dessa doença financeira está na população que está entrando agora no mercado de consumo, ou que está ampliando sua capacidade de compra – aquela que os consultores batizaram de "classe média emergente". A Sondagem do Consumidor da FGV mostra que 23,4% dos consumidores com renda inferior a R$ 2,1 mil declararam ter mais da metade de sua renda comprometida com dívidas no cheque pré-datado, cartão de crédito, carnês de loja, empréstimos pessoais ou financiamentos. Desses, 19% (uma em cada cinco pessoas) têm contas atrasadas há mais de 30 dias.

A faixa seguinte de renda (R$ 2,1 mil a R$ 4,8 mil) tem maior porcentual de renda comprometida – 24% –, mas inadimplência menor, de 8,8%. A faixa de renda mais alta, de R$ 9,6 mil, compromete apenas 12% de sua renda, e as contas em atraso não passam de 3,6%.

Conclui-se, assim, que parte do ganho de renda que os brasileiros mais pobres tiveram nos últimos anos transformou-se em dívida. E os juros pagos voltam para os bancos e seus controladores, de forma que os ganhos de distribuição de renda correm o risco de se perder.

O Banco Central e o governo ignoraram os sintomas e precisam, urgentemente, tratar a doença. Podem tomar medidas agora para amenizar os problemas. Mas a cura só virá com investimentos em educação financeira.

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