É provável que o leitor tenha visto nos últimos dias, em especial nas redes sociais, um vídeo intitulado “10 anos de recessão”, produzido pela consultoria independente Empiricus Research e publicado no You Tube em meados de março. Em um tom de tremenda urgência, Felipe Miranda, um dos fundadores da Empiricus, apresenta uma série de fatores apontando para a gravidade da crise econômica por que passa o mundo. O vídeo é uma espécie de sequência de “O fim do Brasil”, outra visão catastrófica sobre a economia, apresentado na segunda metade do ano passado.
Alertas como o que a Empiricus faz têm sua importância, mas devem ser muito bem analisados. E “10 anos de recessão” não passa por uma análise nem mesmo superficial. A começar pelo título. Ele se baseia, conforme diz logo de cara, em declarações do economista-chefe do FMI, o francês Olivier Blanchard. De fato, Blachard falou que o mundo deve se preparar para uma crise que deve durar dez anos “A partir de seu início, em 2008”. Esse “detalhe” de que os dez anos são 2008-2018 não é dito em nenhum momento no vídeo. Quem assiste tem a impressão de que se trata de uma catástrofe financeira – o que é, realmente. Mas, se Blanchard estiver certo, estamos na última etapa dela, não no início. Além disso, tais declarações foram dadas em 2012, primeiro para um jornal da Hungria, depois repercutidas em outros meios. É notícia velha.
Adicionalmente, dez anos de crise (foi o que falou Blanchard) são diferentes de dez anos de recessão. O segundo semestre do ano passado, por exemplo, foi de crise, mas não de recessão. Recessão, quando o PIB tem crescimento negativo, é algo bem mais grave que uma crise.
Miranda cita também Jim Rickards, qualificado como “ex-agente da CIA”, que teria falado “recentemente” ao Senado americano sobre o risco de insolvência do Banco Central americano. Rickards nunca foi agente da CIA. O máximo que ele chegou da agência foi como consultor da comunidade de inteligência dos EUA (que inclui a CIA e outras instituições) em assuntos do mercado de capitais. Rickards é advogado especializado em mercado financeiro e foi um dos chefões do fundo Long Term Capital Management (LTCM), que quebrou em 1998, provocando a última grande crise do século passado. Mais: seu depoimento ao Senado americano foi em maio de 2012. Mais notícia velha.
Como se vê, há no material da consultoria um coquetel bem montado de informações novas e antigas, temperadas com dados econômicos que corroboram as teses, bem sacudido e enfeitado com um marketing afiado. Como estratégia de divulgação, funcionou.
Não quero dizer que você não deva se preocupar com as advertências da Empiricus. Basicamente, a consultoria vem advogando que os investidores devam buscar posições conservadoras, o que é bastante sábio em momentos como o que enfrentamos. Além disso, coloca em evidência a fraqueza das ações econômicas do atual governo. Convenhamos, não é preciso ser economista para perceber isso. Nas últimas semanas ouvi observações desse gênero vindas de comerciantes, representantes comerciais, garçons, agricultores, profissionais de TI. Por fim, aconselha o investimento em ativos reais, como terrenos agrícolas. Poucas alternativas são tão seguras.
Mas sugiro que avalie com cuidado todas as visões sobre o mercado e suas crises. Quanto mais catastrófica for a visão, mais cuidado é necessário. Como os grandes laboratórios farmacêuticos sabem muito bem, divulgar doenças é a melhor maneira de vender remédios.
O futuro não será cor de rosa, mas também não será tão cinzento. Faça seu planejamento financeiro com o pé no chão.
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