Dia desses estava conversando com uma pessoa que contou de um encontro, anos atrás, com parentes que viviam na Espanha. O interlocutor tinha um belo carro e, papo vai, papo vem, o brasileiro perguntou sobre como ele o havia comprado. "À vista, é claro", foi a resposta – seguida de uma longa explanação a respeito do modo europeu de adquirir bens.

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Que diferença em relação ao modo brasileiro de comprar. Por aqui, o financiamento impera – segundo dados da federação nacional das revendas de automóveis (Fenabrave), 1,06 milhão de carros novos foram vendidos sob essa modalidade no primeiro semestre deste ano, 60% do total de 1,79 milhão de unidades vendidos. Em geral, parece que o brasileiro acredita que só vai conseguir fazer compras de maior vulto se parcelar em suavíssimas prestações, sem se preocupar com os juros embutidos.

Se os juros fossem baixos, ok. Mas os juros brasileiros são altos demais para um país de economia estável. Podem falar de inadimplência, custo Brasil, impostos, o escambau. São explicações plausíveis sobre o nível de juros que temos por aqui. Mas ainda creio que tem mais a ver com oferta e demanda. Se quase 2 milhões de brasileiros toparam pagar 13,35% ao ano de juros (1,05% ao mês, sem contar tarifas e impostos) em um financiamento de carro, por que os bancos baixariam o preço do dinheiro? Americanos, por exemplo, pagam 4,13% ao ano, em média – dá 0,34% ao mês. Dados de maio, do Federal Reserve, o Banco Central deles. A mesma lógica vale para compras parceladas de aparelhos de tevê, computadores, móveis...

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Nos últimos dias, vendo tevê, tive um pouco de esperança. Entrou no ar uma propagando do Bradesco que não vende as facilidades de sempre. Nos comerciais, um casal entra na confeitaria e a mulher diz ao balconista: "Não me dá aquela torta de chocolate". A cena se repete diversas vezes, até que os mesmos dois mostram ao jovem da loja o resultado do sacrifício de não comer o doce: um carro novo. Em outras peças, os personagens abrem mão de outras compras – uma pizza, uma bolsa –, para ao fim também apresentar aquisições maiores.

Poupar é isso mesmo: deixar de usufruir de um objetivo de curto prazo para obter um benefício maior, inalcançável de outra forma. Sim, é sacrifício, um sacrifício necessário – dispensa-lo sempre é uma autoindulgência que custa caro, e que parece já ter se consolidado como parte da cultura nacional, infelizmente.

Mas ninguém é perfeito, muito menos um banco. Quem assina a peça publicitária é o braço de crédito da instituição, justamente aquele que é responsável por empréstimos e financiamentos, o que dá a entender que a finalidade do comercial é vender novos contratos de financiamento. Melhor seria se fosse a área de investimentos ou simplesmente o banco, sem nenhum apêndice.

Quem sabe?

De qualquer modo, é um avanço ver um banco "vender" na tevê uma forma de consumo menos imediatista e mais sustentável. Talvez isso venha do fato de eles receberem, ao mesmo tempo, os principais beneficiários e algumas das piores consequências do consumo desregrado – certamente não as piores consequências, porque estas ficam com o cliente que fica com o nome sujo, sem crédito e sofre a cobrança. Mas a inadimplência fere os seus números e eles também têm prejuízos com o monstro que criaram.

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Até agora, havia algumas iniciativas do sistema financeiro em favor do que se convencionou chamar "crédito sustentável". Itaú e Visa estiveram entre os primeiros a tratar do assunto. Mas eram cartilhas que ninguém lia ou sites que ninguém visitava.

Quem sabe mostrando na tevê as pessoas aprendam...

E você?

Que iniciativas de educação financeira você gostaria de ver? Mande sua ideia para financaspessoais@gazetadopovo.com.br.

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