Os americanos adoram analgésicos – na verdade, eles são os maiores consumidores de opoides do mundo. O uso de analgésicos como o OxyContin e o Vicodin aumentou de 300% a 400% nos EUA desde o ano 2000. E os norte-americanos consumiram 83% de toda a oxicodona do mundo (o principio ativo da OxyContin e de medicamentos similares) em 2007, de acordo com um relatório do Painel Internacional de Controle de Narcóticos. Mais de 650 mil receitas de opioides são emitidas todos os dias nos EUA, de acordo com uma estimativa recente do Departamento de Saúde e Serviços Humanos.
Como era de se esperar, encher o mercado de farmacêuticos altamente viciantes teve consequências sérias. Mortes por overdose associadas a opioides vendidos sob prescrição médica quadruplicaram desde 1999, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. Em 2015, mais de 15 mil pessoas tiveram overdose de opioides.
As coisas chegaram a tal ponto que os analgésicos contribuíram para um raro pico nas taxas de mortalidade nos EUA – o primeiro em mais de uma década.
Então, como as coisas chegaram a esse ponto? É complicado, mas dois fatores relacionados estão envolvidos: médicos que praticam com maior frequência a gestão da dor e consumidores (ou pacientes) que julgam por conta própria de quanto remédio precisam.
No fim dos anos 1980 e início dos 90, houve uma pressão para reconhecer e tratar a dor. Isso culminou na promoção da dor como o quinto sinal vital, ao lado da temperatura corporal, pressão sanguínea, pulso e respiração. Mais ou menos na mesma época, os analgésicos passaram a ser vistos como a forma mais barata e rápida de tratar a dor, de acordo com Keith Wailoo, historiador de políticas de saúde em Princeton. Esse ponto de vista coincidiu com um aumento significativo no marketing de medicamentos direcionados a médicos e consumidores.
Claro que, diferentemente da temperatura ou da pressão sanguínea, a dor não pode ser medida de forma objetiva. Isso significa que o paciente – munido, graças à indústria farmacêutica, de uma série de informações sobre opioides – passou a ter maior controle sobre o tratamento.
À medida que o setor de saúde começou a se concentrar mais nas necessidades dos consumidores, as pessoas que sofriam com dor passaram a expressar suas opiniões em pesquisas de satisfação. E essas pesquisas tiveram um peso enorme: um artigo publicado em 2012 pela revista científica Journal of the American Medical Association destacou que “os médicos que não atendem os pedidos dos pacientes podem receber notas de satisfação mais baixas, resultando em problemas emocionais, financeiros e profissionais”. Por outro lado, médicos que atendem frequentemente aos pedidos dos pacientes acabam exercendo a função de “serviço ao consumidor”, ao invés de “profissionais de saúde”.
Atualmente, os consumidores veem cada vez mais os opioides como uma solução rápida para sua dor (subjetivamente calculada) e exigem o medicamento de profissionais que se encontram em condições adversas para dizer não, mesmo quando suspeitam que os pacientes estejam viciados. “Os médicos lidam com seu trabalho dando aos pacientes raivosos exatamente aquilo que pedem, não o que precisam, já que são obrigados a atender cinco pacientes por hora”, afirmou Martin Makary, diretor cirúrgico e especialista em políticas de saúde na Universidade Johns Hopkins.
O paradoxo brutal, destacado por Makary, é que a satisfação dos pacientes nem sempre é uma métrica útil para calcular os resultados no setor de saúde. Um estudo publicado em 2012 revelou que a maioria dos pacientes satisfeitos tinham índices de mortalidade e hospitalização mais altos. Por que? Os autores sugerem que os mais “satisfeitos” exigem com frequência tratamentos mais específicos que, por sua vez, apresentam mais efeitos colaterais.
Embora os índices de satisfação certamente façam parte do quebra-cabeças, Makary crê que devemos nos focar “no julgamento do médico, em sua habilidade e capacidade de ter empatia com o paciente”.
A Associação Médica dos EUA recomendou recentemente que a dor deixe de ser considerada o quinto sinal vital. Mas ainda não se sabe se essa medida seria suficiente para amenizar a obsessão dos norte-americanos com medicamentos opioides, caso o setor de saúde não deixe de lado sua mania com a satisfação do consumidor. Quando colocamos o poder nas mãos dos pacientes, é difícil retomar o controle. E agora, de acordo com Wailoo, “somos uma sociedade de consumidores que crê estar no controle da pílula mágica”.
* Stephen J. Dubner é coautor, com Steven D. Levitt, de ‘Freakonomics: O Lado Oculto e Inesperado de Tudo Que Nos Afeta’ e ‘Super Freakonomics: Resfriamento Global, Prostitutas Patriotas e Por que os Homens-Bomba Deveriam Fazer Seguro de Vida’.
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