A inflação do ano passado pesará um pouco nos índices de preços de 2009. Não fosse isso, poderia cair até para o piso (2,5%) das metas estabelecidas pelo governo. A transmissão da inflação de ontem para hoje ocorre pelos mecanismos de indexação que persistem na economia brasileira. Tarifas de serviços públicos, aluguéis, anuidades escolares e salário mínimo são assim reajustados. E sempre após um período de 12 meses.
Embora esse tipo de indexação automática viabilize contratos de longo prazo quem iria investir na concessão de serviços públicos sem ter como contrapartida essa garantia de correção? , o passado acaba criando uma barreira de resistência à queda da inflação. Para compensar a inevitável alta dos chamados preços administrados, vários bens e serviços cujos valores oscilam de acordo com o mercado precisam então baixar.
Desse modo, a trajetória da inflação durante o ano acaba ficando muito dependente dos preços dos alimentos, pois os serviços raramente recuam (já que têm a maior parte de seus custos atrelados a salários) e os produtos industriais também são pouco flexíveis com exceção de combustíveis, fertilizantes, metais, minérios. Por isso, nos anos de fartura na agricultura o controle da inflação fica mais fácil. Mas, quando a oferta agropecuária é afetada por problemas climáticos ou de distribuição, estamos fritos.
No momento, além de os preços agrícolas estarem colaborando, a indústria anda acuada pelo sumiço dos consumidores. O impacto da desvalorização do real frente ao dólar não chegou a afetar significativamente os preços internos no Brasil, a não ser no caso dos itens que embutem porcentagem elevada de componentes importados (e que não tenham registrado queda de preços em dólar no exterior). Mas a herança inflacionária embutida nos preços administrados já provocaria por si só uma alta de 2,5% nos índices de preços ao consumidor em 2009. Ou seja, para que a inflação recue abaixo disso, a economia brasileira precisaria cair em profunda recessão este ano.
Os salários não devem ser fonte de pressão inflacionária em 2009, a não ser o mínimo e os vencimentos de algumas categorias de servidores públicos, que terão aumento real. A ameaça do desemprego fará com que muitos acordos coletivos sejam fechados prevendo-se apenas reajustes com base na inflação, medida pelo INPC ou pelo IPCA, do ano passado.
* * * * * * *
Ninguém duvida mais que as taxas básicas de juros vão cair nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), o que deve levar também a uma redução nos rendimentos oferecidos aos investidores pelas instituições financeiras. É provável que os juros dos empréstimos acompanhem essa queda, mas, infelizmente, não em igual intensidade o que provocará, mais uma vez, indignação nos empresários, consumidores e autoridades. Essa resistência dos spreads bancários a se comprimirem já não encontra explicação na procura por crédito, que minguou sensivelmente desde o fim do ano passado, mas sim na incapacidade de os bancos ampliarem seus empréstimos no momento.
* * * * * * *
As empresas que levaram uma traulitada em operações com derivativos no câmbio, quando a cotação do dólar começou a disparar no Brasil, por volta de outubro, tiveram de renegociar essas enormes perdas junto ao próprio sistema financeiro. Assim, tais derivativos acabaram sendo transformados em um tipo de empréstimo, e passaram a ser contabilizados como financiamentos. Ainda que efetivamente não tenham sido realizados novos empréstimos, nas estatísticas do Banco Central aparecem como expansão do crédito a pessoas jurídicas, dando a falsa impressão que o mercado vem caminhando para a normalidade desde dezembro.
Na verdade, os derivativos que causaram o rombo nas companhias exportadoras ocuparam o espaço que o sistema bancário ainda tinha para emprestar. Alguns bancos até atingiram os limites operacionais permitidos pelas regras do BC, e só podem voltar a emprestar, de fato, quando aumentarem seu patrimônio líquido (capital e reservas), o que, por sua vez, depende dos lucros que registraram no quarto trimestre de 2008 e pelos números antecipados pelo Bradesco já se pode esperar uma redução nesses resultados.
A outra alegação para os spreads continuarem vexaminosos é o risco de calote em potencial pelos devedores. Com o agravamento da crise econômica e o inevitável aumento do desemprego, os bancos temem que muitos de seus clientes (empresas e pessoas físicas) possam deixar de pagar os empréstimos. E, por causa disso, se protegem cobrando juros mais altos do que deveriam, fazendo com que os bons pagadores arquem com o custo da ameaça de inadimplência no sistema. No entanto, à medida que os juros e os spreads se mantêm demasiadamente elevados, em um ambiente econômico de dificuldades os que precisam de crédito acabam sufocados e sem ter para onde correr. Ou seja, os juros altos que deveriam proteger o sistema financeiro da inadimplência se tornam um dos causadores dessa inadimplência, formando um círculo vicioso maligno.
É uma questão de difícil solução, sem propostas concretas viáveis no horizonte.