O episódio político-econômico que envolve os proprietários do grupo J&F e o presidente Michel Temer joga luz sobre um tema que vai além do tráfico de influência, da propina e da corrupção. Nos últimos dez anos, o grupo liderado pelos irmãos Wesley e Joesley Batista promoveu uma nefasta concentração no mercado de carne bovina sem precedentes no Brasil e no mundo. E fez tudo isso com o apoio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ou melhor, do governo federal.
O pequeno açougue, que depois virou um pequeno e, em seguida, um grande frigorífico, se transformou no maior fornecedor mundial de carne. Mudou hábito e comportamento do consumidor. Disse que carne não tem só corte, mas tem marca. E passou a regular o mercado, de ponta a ponta, fragilizando a base da cadeia, onde está o produtor. Não são poucas as regiões do país onde o pecuarista não tinha outra opção para vender seu rebanho que não fossem os frigoríficos da JBS, uma das empresas mais fortes da holding.
Foram recursos a juros baixos, no longo prazo, que fortaleceram a JBS e enfraqueceram ainda mais aquela que já era uma das mais desestruturadas cadeias produtivas do agronegócio brasileiro. Com o pretexto da geração de emprego e renda, uma das premissas do BNDES, os recursos injetados na JBS eliminaram muitos frigoríficos e demitiram muita gente. Quem não se curvou à proposta de compra pelos Batistas teve de fechar as portas, se render à concorrência em uma disputa encarada como desleal pelos benefícios públicos e excludentes que tornavam o grupo maior e mais competitivo.
Com o pretexto da geração de emprego e renda, os recursos injetados na JBS eliminaram muitos frigoríficos e demitiram muita gente
Não dá para negar que teria sido uma estratégica comercial, política e de marketing fantástica, não fossem as relações promíscuas do grupo na conquista do estrelato. O BNDES não teria colocado bilhões de reais nos negócios da J&F não fossem os interesses em comum que aproximaram a família e o grupo familiar do poder, de deputados, senadores e presidentes da República.
Uma relação quase que de causa e efeito em que, por consequência, talvez a J&F não seria desse tamanho, não tivesse essa envergadura política, econômica e de relativo sucesso empresarial. Arrojados, empreendedores, homens de negócio. Sim! Mas também homens e empresas que tiveram oportunidades e benefícios que outros não tiveram, que a concorrência não teve.
O Brasil apostou alto na JBS, que também voou alto mundo afora. Aliás, o maior patrimônio, os maiores negócios do grupo nem estão mais no Brasil. Estima-se que 80% do faturamento esteja ancorado em empresas fora do país. Ou seja, aquela balela da geração de emprego e renda é literalmente para inglês ver. O grupo aumentou seu faturamento? Sim! Criou novos postos de trabalho? Sim! Mas em proporção maior no estrangeiro, em detrimento do Brasil. E fez isso por quê? Porque a economia brasileira é instável, a carga tributária é pesada e a legislação trabalhista é mais rígida? OK, isso é verdade. Mas, quando foi para pegar dinheiro emprestado do BNDES, aí o país servia.
Risco no campo
E agora, em vez de comprar ou fechar os frigoríficos da concorrência, vai fazer o quê? Fechar ou vender suas próprias plantas? O efeito cascata já começou. Inseguro sobre o futuro da JBS e com medo de não receber pelo rebanho entregue, o pecuarista está procurando outros compradores. Muitas vezes não acha e, quando acha, tem de vender abaixo do preço de mercado. Tem regiões com muito boi e poucos frigoríficos que não sejam da JBS. É a lei da oferta e da demanda. É a cadeia produtiva que nunca foi muito organizada, ainda mais desestruturada.
Nos dez anos em que a JBS conquistou o país e o mundo, o Brasil se tornou o maior exportador de carne bovina do planeta. Mas a que preço?