Prestes a iniciar a 2.ª etapa da campanha de vacinação contra a febre aftosa de 2011, o Brasil ainda não conseguiu afastar o temor iminente de nova incidência da doença. A ameaça vem do Paraguai, que oficialmente registrou apenas um foco da doença, em 19 de setembro. Nesse tempo, o vizinho do Mercosul sacrificou mil cabeças de gado, suspendeu e voltou a liberar as exportações de carne, mas ainda não convenceu. Informações extraoficiais, mas vindas de fontes oficiais, apontam que o problema seria muito maior, com pelo menos 30 focos. O que não é impossível, a julgar a estrutura fundiária do país, caracterizada por pequenas propriedades, situação que pode facilitar a disseminação do foco, seja pela proximidade das áreas ou pelas rotas em comum utilizadas no trânsito de animais.Há quem diga ainda que o trânsito de animais entre os dois países não cessou. Legalmente sim. Mas, na prática, o controle das fronteiras não estaria sendo eficiente o suficiente para impedir a entrada de bovinos vindos do Paraguai. Isso, apesar das equipes de defesa sanitária e do efetivo do Exército brasileiro que foram escalados para esse controle. Acontece que a fronteira seca é muito extensa e a travessia pelo rio não é impossível, a considerar o histórico, a habilidade e a facilidade da ação do contrabando fluvial na região de fronteira. Então, vamos reconhecer que é difícil. Mas não é e nem pode ser impossível, porque sanidade animal também é saúde pública, competitividade e competência na administração da defesa sanitária.
Certamente todos já ouvimos o ditado de que há males que vêm para o bem. Coincidência ou não, na última quarta-feira, exatamente um mês após o registro do caso no Paraguai, o governador Beto Richa assinou e encaminhou à Assembleia Legislativa o anteprojeto que propõe a criação da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar). Como autarquia da Secretaria Estadual da Agricultura e Abastecimento (Seab), a agência será responsável pela promoção da defesa agropecuária e inspeção sanitária dos produtos de origem animal, atribuições que incluem a prevenção, controle e erradicação de doenças animais, como a febre aftosa.
Se o foco do Paraguai e a fragilidade do Paraná nesse campo do agronegócio imprimiram mais celeridade ao processo, isso não importa. O fato é que o estado evolui na proteção do seu rebanho, na defesa de seus interesses e na sustentabilidade de um segmento vital para a economia paranaense, sustentada, sobretudo, pelo agronegócio. E como cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça, espera-se que o trâmite da matéria na Casa de Leis seja rápido. Pelo menos mais eficiente e assertivo do que entre 2005 e 2006, quando ocorreu o último registro de aftosa no Paraná.
Na época foram sacrificados 6,7 mil animais no estado. E ainda há quem diga que nesse caso a aftosa foi instituída por decreto, porque no campo a doença não havia se manifestado.
O que não se pode admitir é que ainda restem dúvidas sobre o diagnóstico da doença e as medidas, técnicas e políticas, que foram tomadas para controlar, conter ou eliminar os focos ou possíveis focos de aftosa. A começar pela Secretaria da Agricultura (Seab) e Ministério da Agricultura (Mapa) que em vários momentos não se entendiam sobre os procedimentos. Isso é passado, mas espero que tenha sido um aprendizado.
O fato é que esse mal novamente bate em nossa porta. Mais do que isso, dá para considerar que está dentro de casa. Não podemos esquecer que boa parte dos pecuaristas no Paraguai é brasileira, os chamados brasiguaios. São produtores que também têm fazendas no Mato Grosso do Sul, Paraná ou outros estados brasileiros. Se não, há no mínimo um intenso comércio de animais entre os países. Cruzar a fronteira, então, acaba sendo uma prática comum. Em Ponta Porã, cidade do Mato Grosso do Sul que faz divisa com Pedro Juan Cabalero, no Paraguai, apenas uma rua separa os dois territórios. Ou seja, é preciso entender que em alguns momentos, em algumas regiões, Brasil e Paraguai se confundem. Assim, defender os interesses do Brasil é defender os interesses do Paraguai.
Se o Paraguai tem um problema, o Brasil tem dois problemas. Ao mesmo tempo em que é necessário blindar o país para evitar a entrada da doença, governo e produtores têm o dever de ajudar o Paraguai a se livrar dessa enfermidade. A demanda é sanitária, mas o impacto é econômico e social, no mercado interno e internacional, do Paraguai, do Brasil e da América do Sul. Aliás, onde está o CAS, o Conselho Agropecuário do Sul, que reúne os ministros ou ministérios da Agricultura de seis países do Cone Sul? Não seria essa uma demanda de interesse público, regional e de mercado comum?
Dia 1.º de novembro começa oficialmente a 2.ª etapa da campanha de vacinação contra a febre aftosa no Brasil. Por razões naturais e implícitas à atividade, quero crer que o pecuarista está atento a isso. Porque se depender do Ministério da Agricultura a campanha de divulgação da campanha de vacinação vai ficar devendo. Lamentavelmente, o Mapa parece que não tem verba para tanto, apesar da gravidade e relevância do tema e do momento. Para constar, com 12 milhões de cabeças, o rebanho paraguaio é um pouco maior que o rebanho paranaense e o equivalente a 6% do efetivo brasileiro.